CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
DURANTE TODA A SUA VIDA

quarta-feira

UM POUCO DE MARIO 7


Texto escrito por Odiles Canton, Jornalista:
Vou reproduzir um trecho do livro A Globo da Rua da Praia, pagina 197,198 e 199, cujo autor, José Bertaso, narra como Quintana fez seu famoso poema " O Mapa"! A narrativa agora não é mais minha, mas sim do Bertaso:

" Quando a editora(Globo) se mudou para o bairro Menino Deus, em 1971, seguidamente Mário Quintana vinha nos visitar, e suas visitas eram realmente uma festa. Como velho conhecido da casa fazia questão de conversar com todos os chefes de departamento e seus auxiliares. No departamento de divulgação e vendas com Josefina Gama, no departamento de artes com João Braga e,depois, Leonardo Menna Barreto Gomes, na contabilidade com Osmar Csaa(sobre a situação de sua conta de direitos autorais) e,finalmente,antes de entrar na minha sala para saborear um cafezinho que, segundo ele, era feito com a tinta e aguarrás que sobravam da impressão de seus livros, conversava tímida e longamente com Maria da Glória Bordini.
Lembro-me de um final de tarde, em meados do outono de 1975, quando nos levou os originais de seu novo livro, Apontamentos da História Sobrenatural. Da minha sala, situada no sexto andar do prédio que ocupávamos no Menino Deus (cada andar tinha um pé direito com mais de 3 metros), descortinava-se uma vista maravilhosa. De um lado, o sol declinava mergulhando no Guaíba. À nossa frente, a cidade. Pousando o original de seu novo livro em minha mesa, Mario dirigiu-se à janela e nos disse, como se nunca tivesse se apercebido antes:

- QUE BELO MAPA DA CIDADE.
Levantei-me junto com Maria da Glória, fomos para o seu lado e ouvi-o repetir:

- QUE BELO MAPA DA CIDADE.
Efetivamente, do nosso lado esquerdo uma avenida seguia em direção ao centro, com as suas transversais que desembocavam numa outra avenida à nossa direita, com palmeiras nos canteiros do centro.O que aconteceu depois naquele final de tarde nos deixou muito impressionado. Enquanto voltava para minha mesa para atender ao telefone e Maria da Glória saía da minha sala para instruir Carmem Lanes sobre os termos do contrato, o poeta sentou-se à mesa de reuniões e começou a rabiscar algo num bloco. Falando ao telefone, vi Maria da Glória voltar à minha sala alguns minutos depois com a cafeteira e servir o poeta, que aproveitou a pausa para acender um novo cigarro. Ato contínuo, Maria da Glória sentou-se à mesa de reuniões e permaneceu muda enquanto Quintana rabiscava no bloco. Finalmente, depois de anotar uma solicitação de Antônio Leite ao telefone, ouvi uma gostosa gargalhada. Era o poeta exultante, acompanhado de um " Meu Deus" de Maria da Glória. Exclamava ele:

- Acabei de produzir uma poesia. O MAPA, para o meu novo livro.
Não entendendo bem o que estava se passando, recebi das mãos de Maria da Glória uma folha manuscrita com uma explicação muito agitada: " José Otávio, o Mario escreveu um poema inspirado naquilo que viu da tua janela".
Juntando-me a eles na mesa de reuniões, li sem dificuldade o que Quintana escrevera e que pretendia acrescentar ao original que repousava em minha mesa. Eis seu O MAPA, que está na página 143 de seu livro Apontamentos de História Sobrenatural, publicado por nós no outono do ano seguinte:

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
( É nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
( E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for,um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
( Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso.

Um comentário:

Tais Luso de Carvalho disse...

Oi, Bernardo:
Esse poema ‘O Mapa’ e ‘O Poeminha do Contra’... São como se fosse um hino de Porto Alegre.

O Mapa, cada vez é mais lindo; cada vez mais novo. E gostei de saber como nasceu esta poesia; quem diria...da janela do bairro Menino Deus! E de uma maneira assim tão despojada.(seria esse o termo? Rsr)

'Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão... eu passarinho!'

Estão ótimas as fotos da lateral!
bjs
tais