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quinta-feira

ENVELHECER EM QUATRO VERSOS (II)

Velho homem triste - Van Gogh

OS VELHINHOS

Como os velhinhos - quando uns bons velhinhos
São belos, apesar de tudo!
Decerto deve vir uma luz de dentro deles...
Que bem nos faz sua presença!
Cada um deles é o próprio avô
Daquele menininho que durante a vida inteira
Não conseguiu jamais morrer dentro de nós!

In: Velório sem defunto


Os poemas analisados demonstram que envelhecer é, antes de tudo, trilhar um caminho que leva a adquirir experiência, ora considerada algo positivo; ora, dispensável. Envelhecer, às vezes, equivale a estar abandonado, esperando a chegada da morte; até porque, de acordo com o sujeito poético não há diferença entre o velho e o doente terminal. Além disso, aquele que sofre do mal chamado vida longa, ao perder a utilidade torna-se um indivíduo improdutivo, impotente e portanto descartável.
Em compensação, a lírica de Quintana revela que envelhecer é manter viva a lembrança da casa em que nasceu, e vasculhar os esconderijos da própria memória, desejando de volta os brinquedos que já ganhou e perdeu. É ser, “ainda o mesmo menino teimoso de sempre” e não perder a capacidade de sonhar nem de imaginar só porque “envelheceu, um dia, de repente”. Tornar-se velho é preservar a fé na “luz sagrada”, na “chama” apesar da descrença na humanidade que passa a nutrir com o passar dos anos. Envelhecer é, ainda, encontrar uma imagem ancestral no espelho onde reflete o próprio rosto, e ver nesse mesmo rosto “o tempo escorrer”, sem sobressaltos. É reconhecer que foi invadido, “ruga a ruga”, “pelo velho pai que já morreu”, e resignar-se, afinal, a uma transfiguração que o leva ao reencontro com a sua própria história, com suas próprias raízes. Ficar velho significa ir se desiludindo e com isso obter uma “extraordinária sensação de alívio”. Envelhecer para o sujeito lírico da obra de Quintana é, enfim, tornar-se mais leve.

O VELHO DO ESPELHO

Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu?
Parece meu velho pai - que já morreu!
Nosso olhar duro interroga:
"O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste...
In: Apontamentos de história sobrenatural"

Análise de Nathalia Sabino Ribas
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