CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
DURANTE TODA A SUA VIDA

domingo

De Mario Quintana: O DEUS VIVO


Disse o poeta Armindo Trevisan sobre as idéias religiosas de Quintana:
“O Mario, a rigor, não praticava nenhuma religião, mas tinha sido educado na religião católica. [...]Em conversas particulares com ele percebi que ele poderia ser qualificado de agnóstico, isto é, alguém que declara não saber com certeza se Deus existe. Eu pessoalmente tenho a impressão de que ele acreditava em Deus, a sua maneira.”

Se as ações humanas e os caminhos percorridos pelos homens na Terra têm algo a ver com Deus, certamente o poema O DEUS VIVO não pode ser mais verdadeiro. Deus está no fundo do poço. Caim retrata a intolerância, a ganância, o preconceito, enfim tudo o que é humano, e Deus, desamparado está no inferno... Quintana considera urgente resgatá-lo, mas para isso é preciso resgatar a nós mesmos...humanidade.
Bernardo

O DEUS VIVO

Deus não está no céu. Deus está no fundo do poço
onde o deixaram tombar
- Caim, o que fizeste do teu Deus?!


Suas unhas ensangüentadas arranham em vão as
paredes escorregadias.
Deus está no inferno...


É preciso que lhe emprestemos todas as nossas forças, todo o nosso alento
para trazê-lo ao menos à face da terra.


E sentá-lo depois à nossa mesa
e dar-lhe do pão e do nosso vinho


E não deixar que de novo se perca.
Que de novo se perca...nem que seja no céu!

Mario Quintana in: Apontamentos de História Sobrenatural

terça-feira

O QUARTO DE MÁRIO QUINTANA

Quarto de Mario Quintana assombrando(veja reflexo na parede) foto Daniel de Andrade Simões

Este quarto, de Mario Quintana, sua última morada, nos faz imaginar um personagem solitário e disperso, perdido entre seus versos. Quantos poemas Mario não construiu aqui. Talvez ele volte, de vez em quando,a visitar sua última morada terrena. E quando aqui chega deve dizer aos retratos da parede:
"Tú não imaginas como é bom, como é repousante,
Não ter bagagem nenhuma."
E olhando sua velhas coisas, alí tão conservadas...intáctas, deve dizer baixinho:

"Nem sei mais se me matei,
Se morri por distraido,
Se me atiraram do caís"
[]"Eu sigo todo florido
Cadáver desconhecido,
Vogando, lento à deriva,
Nos rios todos do mundo."

E assim vai o poeta dedilhando seus objetos, sua velha cama
e certamente recordará aquele poema, composto na dificuldade da velhice, na lentidão dos movimentos trêmulos e doloridos:

Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...


que me importa este quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.


Pois só o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousando em mim.


A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...
Foto de Daniel de Andrade Simões

sexta-feira

Recordações de Mario Quintana

Quintana na Feira do Livro P. Alegre -1986

Sala de espera do consultório. Sala de espera? Não: Sala de recordações. Porque as revistas são tão velhas que a gente, sincronizando (perdão) com as datas delas, transporta-se ao que foi naqueles tempos. Ah! Quando o Ministério se demitiu em massa recordo, eu andava doido pela Maria Helena que andava doida pelo Fabião, que andava doido pela Felisbina... Agora todos voltaram ao juízo e estão casados com outras pessoas. Todos, menos eu. Em compensação juro que esqueci completamente a Maria Helena e, quando a encontro me pergunto:
- Senhor Deus dos desgraçados, esta é aquela?!

Mario Quintana in: Porta Giratória