CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
DURANTE TODA A SUA VIDA

domingo

MARIO QUINTANA E LIANE NEVES



Mario Quintana e Liane Neves


O fotografo tem a mesma função do poeta:
Eternizar o momento que passa.
Mario Quintana

Este poema Mario dedicou a fotografa que dele tirou mais de 1000 fotos, eternizando a imagem do poeta. Que seria do mundo sem as imagens. Elas ao “eternizarem o momento”,
cumprem uma função histórica. E Quintana foi perfeito ao comparar as fotos de Liane Neves a poemas, poemas em imagens, porque Liane mais que eternizar o momento em cada foto, o eterniza com a beleza de uma poesia. Não são simples retratos, são retratos que transmitem sentimento. Liane diz que “ para fotografar pessoas é preciso compreendê-las, enxergar dentro delas”, e isso fica muito claro aos admiradores de Quintana, quando percorrem as fotos que Liane fez dele.
Visite o site de Liane Neves, há lá uma galeria de fotos de Mario Quintana além de conhecer melhor esta profissional que trabalha a muitos anos para a Editora Abril e Revista Caras.
Liane Neves, gentilmente permitiu que este blog utiliza-se suas fotos para enriquecê-lo, o que me deixa bastante honrado.

Site de Liane Neves:

http://www.lianeneves.com/

Bernardo

foto Liane Neves

segunda-feira

UM SIMPLES LUGAR COMUM

foto Liane Neves


Um poema que poderia ser escrito hoje. Teria o mesmo sentido e a mesmo impacto.

UM SIMPLES LUGAR COMUM


Todos esses roubos, todos esses assassinatos vêm apenas da fome
Que conturba esse nosso terrível mundo atual.
Ah, como seria bom se rebentasse uma nova Guerra Internacional!
Que fácil uma vida nova em um novo mundo
Para os que ficássemos sobrando do lado de cá!
(Velório sem defunto)

SÔBOLOS RIOS QUE VÃO

O título dado por Quintana a este poema foi tirado do poema de Camões: BABEL E SIÃO. A palavra "sôbolos" utilizada  no poema tem como significado: "sobre o". Eis a estrofe do poema de Camões  em que ela aparece:

Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
[...]
e por aí se desenvolve um longo poema   reflexivo e filosófico, que reflete a precariedade do destino; a transitoriedade da vida; a fugacidade do tempo e da beleza;a desarmonia da vida e distância entre o que se vive e o que se sonha.

Bernardo

Quintana, 1976 -Arquivo Zero Hora


SÔBOLOS RIOS QUE VÃO

Olha, eu talvez seja esse
cadaver desconhecido
que avistam sob uma ponte
com relativo interesse:

Nem sei mais se me matei
se morri por distraido
se me atiraram do cais

--- o mistério é mais profundo,
muito mais...

Vida, sonho de um segundo
---isso é vulgar mas atroz ---
e tenho pena de mim
como a que eu tenho de voz...

e sigo
todo florido
destes nossos velhos sonhos
imortais

---o misterioso tão sem fim ---

eu sigo todo florido
cadáver desconhecido
vogando, lento, à deriva
nos rios todos do mundo!
Mario Quintana in: Esconderijos do Tempo.

O CHALÉ DA PRAÇA-QUINZE


O Chalé da Praça XV é um dos mais tradicionais Bar Chopp Restaurantes de Porto Alegre. Localiza-se em pleno centro da cidade, de frente ao Mercado Público, no meio da praça XV de Novembro.
O primeiro Chalé foi inaugurado em 22 de novembro de 1885, como um quiosque para venda de sorvetes. Foi reformado em 1909 e 1911, e novamente em 1971, após um incêndio. Entrando em processo de degradação, o contrato com o permissionário foi revogado, e em 25 de junho de 1998, o Chalé foi tombado pelo Patrimônio Histórico Municipal, mantendo contudo sua função de restaurante. Constitui uma área de encontros e lazer bastante freqüentada no centro da cidade, graças principalmente à sua localização, às árvores a seu redor, à sua culinária saborosa e à música ao vivo.

O CHALÉ DA PRAÇA-QUINZE
O Chalé fazia parte da gente. Me lembro do Bidu, com o seu perfil perpendicular de cegonho sábio, o longo bico mergulhado não no gargalo do gomil da fábula, não propriamente no canecão de chope, que era de fato o que estava acontecendo, mas no poço artesiano de si mesmo.
Me lembro do Reynaldo, redondo, pacato, tão amável, pacato e redondo que parecia um desses personagens de romance policial que ninguém desconfia que seja o autor do último crime da mala.
Me lembro do Cavalcanti, com a sua cara silenciosa e receptiva de mata-borrão.
Me lembro de mim, silencioso. Sim, a determinada hora éramos todos silenciosos... essa hora em que não é preciso dizer nada, nem mesmo o verso inesquecível de Valéry: “Oh mon bom compagnon de silence!”.
Esse silêncio era apenas quebrado quando chegava o Athos, o Athos centrífugo e pirotécnico. Mas isto não perturbava o nosso silêncio, nem o próprio silêncio do Athos...Pois havia um profundo e misterioso rio de silêncio que corria subterraneamente a todas as nossas palavras.
Era o rio da poesia?
O rio da harmoniosa confusão das almas?
Agora é apenas o rio do tempo que passou.
Mario Quintana - Caderno H

MAIS TEXTOS E IMAGENS DE QUINTANA, VISITE AO LADO A SALA DE IMAGENS.

domingo

O MEU POETA MARIO QUINTANA

fotos de Daniel de Andrade Simões*


TAIS LUSO DE CARVALHO*


Revelo que aprendi a gostar de poesia através de Mário Quintana. E como é delicioso ler seus poemas quando estamos tristes e amargas... Por sermos acarinhadas e envoltas por doces palavras, a tristeza vai se dispersando e a alma vai ficando leve...

Quando leio Quintana, sinto um poeta que entendeu a vida de uma maneira única, que falava da solidão, da bondade e da felicidade com a mesma tranqüilidade que falava na sua ‘doce prometida’ – a morte.
Falava com a sabedoria de quem não apenas passou pela vida; mas deixou que a vida passasse, que rolasse e que esperneasse... E seguia ele com suas musas, com seus sonhos e quem sabe com seus devaneios...
E que delícia são seus poemas que falam de tudo, de uma maneira translúcida, com uma deliciosa ironia e um sarcasmo ferino! Mas assim era ele; dava a impressão de que brincava com a vida.
Já andei esbarrando com muitos escritores nos shoppings, em livrarias, na Feira do Livro e nos eventos culturais de Porto Alegre e olhava ali... olhava lá... Via todos, falei com alguns, mas nunca vi o meu poeta. Nunca pude dizer olha ali o Quintana!!
Mas não sei se ao vê-lo não ficaria muda e parada! Sim, porque quem conheceu o poeta – ao menos pela televisão – lembra de sua ironia refinada e surpreendente. Dava seu recado sem tradução, e a gente que se virasse, que aprendesse a captar o espírito da coisa.
Aprendi com ele a ver as belezas de Porto Alegre, suas ruas antigas, suas ladeiras, a beleza do vento numa tarde de outono. Aprendi a amar a nossa gente. Aprendi como é linda a simplicidade. Aprendi que é na simplicidade que conseguimos tocar todas as almas. E ele conseguiu. E como conseguiu!
Quando leio o seu poema O Mapa , lembro que também passei pelas mesmas esquinas esquisitas, talvez as mesmas moças eu vi... E caminhei pelas mesmas ruas que ele caminhou. Também já pensei, se no dia em que eu for poeira ou folha lavada, também farei parte do nada?
Seus poemas consolam. Aprendi que um dia, quando a morte chegar de mansinho e disser: Anda, vem dormir... Talvez eu já esteja preparada.
Levarei a mágoa de nunca ter visto meu poeta de perto, levarei um ciúme de não ter sido uma de suas musas... Quem não gostaria de inspirar o poeta em suas noites de solidão e talvez de agonia, fazendo parte de seus eternos rabiscos?
Mas depois de ter lido muitos de seus poemas até já perdi minha aflição: que eu passarei e todos passarão, é certo: só não se repetirá o que aconteceu no dia em que Deus o levou: fez dele um PASSARINHO!
Poeminha do Contra

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
(1978)







*Tais, artista plástica e cronista, escreve em um belíssimo blog sobre os mais variados temas. Admiradora de nosso poeta se propôs a elaborar esta crônica  na semana de aniversário de falecimento de Mario Quintana. Visite seu blog: http://www.taisluso.blogspot.com/
*Daniel de Andrade Simões, fotógrafo, cineasta e escritor, também detentor de um belíssimo e instigante blog onde não só as imagens são um forte mas também a luta dos excluidos, cedeu gentilmente as fotos desta página como várias outras do blog para homenagear o poeta. Visite seu blog: http://www.saitica.blogspot.com/.