CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
DURANTE TODA A SUA VIDA

sexta-feira

O GATO



O gato chega à porta do quarto onde escrevo.
Entrepara...hesita...avança...

Fita-me.
Fitamo-nos.

Olhos nos olhos...
Quase com terror!

Como duas criaturas incomunicáveis e solitárias
Que fossem feitas cada uma por um Deus diferente.

In: Preparativos de Viagem

quinta-feira

FELIZ ANIVERSÁRIO!!!


Primeira foto de Quintana recem-nascido com os pais

Em 1996 a poeta, colunista e advogada Patrícia Antoniette, publicou esse belíssimo texto em sua coluna na revista Paradoxo. Texto que vale a pena ler e reler. Uma homenagem tocante ao poeta que representou para a ela a abertura de um novo mundo. O mundo da poesia que Quintana tanto amava.

Nascido prematuro em Alegrete, Rio Grande do Sul, em um gelado 30 de julho de 1906, dizia que tinha algum complexo por ter nascido antes de estar pronto, preocupação esta que se dissipou quando soube que também eram prematuros Churchill e Isaac Newton. Porto-alegrense desde antes da adolescência, foi nessa cidade que realmente viveu e fez poesia e foi aqui onde o conheci, num final de primavera. O poeta estava sentado num banco da Praça da Alfândega – onde, aliás, ele passava quase todas as tardes – e vínhamos eu, com 10 compenetrados anos e meu padrinho, de mãos dadas, caminhando pela sombra dos jacarandás. Ao avistar o poeta, meu dindo me arrastou para dentro da antiga livraria Sulina, bem perto dali, comprou o recém lançado "Lili Inventa o Mundo" e me levou de volta à Praça, onde, segundo ele, eu deveria pedir o autógrafo do poeta que tinha escrito aquele livro.
Lá fui eu, misto de emoção e timidez. Um poeta. Um poeta veja só. Como seria um poeta? De que material seria feito um ser que escreve livros? Seria de carne e osso? Teria voz e movimentos? Assim que me aproximei, ele me deu bom dia. Estendi o livro sem dizer nada, porque não sabia se era permitido falar com um poeta, assim, sem qualquer cerimônia. Lembro de achar estranho que ele parecesse só um velhinho doce e meigo que falava arrastado, tinha pronúncia difícil e sorria com dentes amarelos uma ternura simples e cúmplice. Ele bateu com a mão no banco para que eu sentasse e eu obedeci, claro, adivinhando que este era o ritual. Ele pegou a caneta do bolso e escreveu com uma letra desenovelada: "para minha nova amiga Patrícia, do amigo velho, Mário Quintana". Saí de lá sentindo que alguma coisa muito grave tinha acontecido e eu não sabia bem o quê.
Li, aqueles que eram os primeiros poemas da minha vida, milhares de vezes. Lembro da minha emoção ao explicar para as amiguinhas, para os pais, para quem me ouvisse, a genialidade do tamanco que era um hipopótamo, ou das pulgas que pulavam tanto porque também tinham pulgas, do milagre que é ser poeta e poder dizer coisas como essas. Ousei me experimentar na poesia sob a influência direta da simplicidade genial e desconcertante daquele velhinho que dava olhos novos a quem o lia e só alguns muitos anos mais tarde tive a perfeita noção de quem era aquele monstro querido e frágil, aquele amigo velho ao lado de quem eu havia sentado num final de primavera cercada de jacarandás floridos: um poeta indevorável.
FOTO DE DANIEL DE ANDRADE SIMÕES

*Patrícia 'Ticcia' Antoniete é colunista da Paradoxo. Advogada gaúcha, assina às quintas-feiras a coluna In-Ventário.

Outra canção

Não me deixem ir tão só,
Tão só, transido de frio...
Eu quero um renque de vozes
Por toda a margem do rio!
Como alguém que adormecendo
E umas vozes escutando,
Nem soubesse que as ouvia,
Nem soubesse que as ouvia
Ou se estava sonhando,
Eu quero um renque de vozes
Por toda a margem do rio:
Vozes de amigo calor
Na lenta e escura descida
Como lanternas de cor
E aonde mais longe eu me for
(Quanto mais longe da vida!)
A borboleta perdida
Da tua voz, pobre amor...


In:Esconderijos do Tempo


Última foto de Quintana

quarta-feira

CECILIA MEIRELLES HOMENAGEIA QUINTANA

Jovem Quintana

Ontem este Blog teve o prazer de receber a visita de Luiz Carlos Amorim coordenador do Grupo Literário A ILHA, de Santa Catarina que também publica a revista MIRANDUM (Confraria de Quintana).
Hoje em continuidade à semana dos 103 anos de Mario Quintana posto justamente um texto publicado por Tânia F. Carvalhal publicado na revista MIRANDUM em novembro de 2008:

Conheci Mario Quintana na redação do Correio do Povo. Estava sentado, escrevendo a lápis, e me olhou com um sorriso manso. Nunca mais consegui separar o que li depois daquele olhar azul, daquele sorriso brando e da voz rouca que ouvi então. Mais tarde o revi muitas vezes e associei ao prazer de lê-lo, o encantamento de longas conversas nas quais sobressaia sempre sua lúcida inteligência e fina ironia.
No seu aniversário, queria mandar-lhe “uma imagem qualquer para os seus anos”, parafraseando-o no poema “A Carta”, no qual ele endereça à destinatária “o céu, todo este céu de Porto Alegre e aquela nuvenzinha que está sonhando, agora, em pleno azul”, Amplio essa primeira intensão e junto um poema intitulado “Cantiga”, que Cecília Meireles enviou a Quintana em 1944, e que ele mesmo cedeu ao Caderno de Sábado, para publicação em novembro de 1967:

Quando passarem os dias
E não mais se avistar
Nosso rosto, e o sereno
Modo nosso de olhar,

E a nossa evaporada
Voz não viver mais no ar,
E as sombras esquecerem
A que era a do nosso andar,

Vai ser doce pensar-se
-em que secreto lugar?-
nos sonhos que inventamos
ternos e devagar

no perfil que tivemos,
tão fino e singular,
e no louro e nas rosas
que o poderiam coroar,

e nos vergéis que sentíamos,
quando íamos a par,
ouvindo o amor que nunca
chegou a sussurar...

Cecilia Meirelles

terça-feira

AMOR A PORTO ALEGRE

Mario Quintana nunca viveu um casamento tradicional. Mas casou-se, por longos 75 anos, com aquela que deu guarida à maior parte de tudo o que lhe foi inspiração. Uma jovem experiente, que já contava com 147 anos de vida quando do encontro com o poeta. Uma jovem feliz, pois assim anuncia-se através de nome próprio, que leva a palavra "alegre" acompanhada de outra que descreve sua principal função na vida de Quintana: um porto.

A capital do Rio Grande do Sul conheceu seu mais famoso poeta em 1919. Quintana tinha apenas 13 anos quando ingressou no Colégio Militar de Porto Alegre. O objetivo era realizar o sonho do pai, ter um filho doutor. Mas foi lá dentro que o anseio paterno começou a sofrer um desvio sem volta. No jornalzinho da instituição Quintana conheceu a escrita, apaixonando-se perdidamente. As palavras e a possibilidade de trabalhar com elas arrebatou o filho do alegretense Celso de Oliveira Quintana.

E foi sem volta. Estar em Porto Alegre encaminhou Quintana para o destino que ele resolveu traçar para si, o da poesia. Para isso, contou com a cumplicidade da cidade, que o recebeu inicialmente em pensões, várias delas espalhadas pelo centro da cidade e cercanias. Depois vieram os hotéis. Sendo o principal deles o Majestic, onde viveu por 13 anos e que mais tarde viria a se tornar a Casa de Cultura Mario Quintana. Nunca montou casa própria, nunca fez de um determinado endereço algo de somente seu, pessoal e intransferível. Era andarilho de ruas e de moradas. Variava pousos, morador e visitante ao mesmo tempo. Talvez uma metáfora sobre a sua presença nesse mundo. Afinal, jurava Érico Veríssimo, que o poeta era anjo que nos visitava, não era desse planeta.

Pois sim. Quintana era e não era de Porto Alegre. Até porque, nascera em Alegrete, coisa de 500km até a capital gaúcha. Mas a sua parte que era da cidade, cumpria seu papel com maestria. "Andarilhava" por aí com freqüência. Como diria o amigo Armindo Trevisan, era caminhante compulsivo. Durante anos, cumprira um trajeto curioso. Pegava um bonde, descia no fim da linha e voltava a pé, rua por rua do centro da cidade. Sem pressa, pois não abria mão de visitar os diversos botecos do caminho. O preferido era o Bar Leão. Coisas do tempo em que Quintana ainda bebia.

Para alguns hábitos, cumpria fidelidade. O mesmo barbeiro por mais de 50 anos, o costume de jogar na loteria, a mania de tomar café e ler jornal sempre nos mesmos lugares. E essa prática de observar a chegada de cada uma das estações, bem precisas no Rio Grande do Sul. Para a chegada de um outono, escreveu: "E agora esse cartaz na alma da gente: ADIADOS OS SUICÍDIOS... Simplesmente. Porque é abril em Porto Alegre... E pronto!"

No início, Porto Alegre era simples para o poeta que em 1967 recebeu o título de Cidadão Honorário: "Uma cidade pequena onde todos ou quase todos se conheciam, e as diversões eram os bares, os cafés, as galerias de arte e o Theatro São Pedro". Quintana acabou acompanhando de perto todas as transformações da cidade no século passado. De cidade pequena para metrópole. De simples, para complexa.

Ele assistia a tudo das janelas que teve e nunca a perplexidade tomou o lugar da paixão. Até porque, o poeta esforçava-se para valorizar o passado que pulsava (e pulsa) por Porto Alegre. Em especial no centro da cidade, bairro que adotou como a extensão de suas moradas, os quartos de hotel. Lugares como a Praça da Alfândega eram uma espécie de "varanda da casa" para Quintana. Naqueles bancos, ele passava tardes inteiras conversando com a atriz Bruna Lombardi, uma de suas musas. Por ali também participava anualmente da Feira do Livro de Porto Alegre, evento onde sempre atuava enquanto celebridade. Todos queriam ficar perto do poeta, fazer foto, conseguir um autógrafo.

O cara era um sucesso. Lá pela década de 80, certa vez afirmou para um jornalista que o entrevistava: "Eu tô na moda". E tava mesmo. Seu espetáculo surgia nos seus escritos; seu palco nas ruas do centro da cidade. A este último dedicou acima de tudo um olhar sempre nostálgico. Vociferava contra os arranha-céus que invadiam a cidade: "O problema da arquitetura moderna é que ela não constrói casas antigas".

Para viver, Quintana não desejava novidades. Pelo contrário, cultivava o passado como a um parceiro permanente de viagem. Do mesmo modo simples, não via necessidade em morar em amplos espaços. A uma amiga que se impressionou com o tamanho do quarto onde morava prestes a completar 80 anos (cedido pelo jogador e comentarista esportivo Falcão), explicou: "Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as minhas coisas".

A argumentação não convenceu a moça, contratada para registrar em fotografia o Quintana do alto de seus 80 anos. Em negociação com os patrocinadores de seu projeto, descolou o que os gaúchos chamariam de "barbada": uma morada mais ampla em um apart-hotel, no centro de Porto Alegre, de graça, até a morte do poeta. No começo, ele titubeou, mas ao conhecer o espaço, encantou-se: "Tem até cozinha", afirmou surpreso e feliz.
FOTO DE LIANE NEVES

Foi este hotel, o Residence, o último de Quintana. Seu quarto está fielmente reconstruído em uma sala do Centro Cultural que leva seu nome. E ao conferir o endereço do local, me surpreendo. Antes de me tornar moradora da cidade, certa vez aportei por lá. Descobri que tenho pelo menos algo que me liga à vida desse anjo da poesia brasileira. Amém.

Ana Ângela Farias é jornalista e moradora de Porto Alegre.
Jornal O POVO – Porto Alegre

segunda-feira

SEMANA DE ANIVERSÁRIO

ESTA SEMANA, MAIS PROPRIAMENTE DIA 30 DE JULHO, MARIO QUINTANA ESTARÁ COMPLETANDO 103 ANOS DE NASCIMENTO, SIM ESTARÁ, NÃO ESTARIA, PORQUE UM POETA NÃO MORRE SIMPLESMENTE, ELE VIVE ETERNAMENTE NOS SEUS POEMAS. DURANTE TODA A SEMANA ESTAREI POSTANDO UM MATERIAL ESPECIAL EM HOMENAGEM À DATA. COMEÇANDO COM O POEMA "O COLEGIAL" EM QUE MARIO REVIVE O TENEBROSO PERÍODO ESCOLAR.

O COLEGIAL

O vento passa lá fora
E eu, no quadro negro imóvel
- ó muro de fuzilamento!
Morro sem dizer palavra.
O professor parece triste,
Talvez por outros motivos.
Manda sentar-me
E eu carrego
Ó almazinha assustada,
Um zero, como uma auréola...
Rezai, rezai pelas alminhas
Dos meninos fuzilados!
Por que é que nos ensinam
Tanta coisa?
Eu queria saber contar
Só com os dedos da mão!
O resto é complicação,
Um nunca mais acabar.
Eu queria mesmo era poder estudar
Teu corpo todo com a mão
Até sabê-lo de cor
Como um ceguinho
E o vento passa lá fora
Com a sua memória em branco.
O que ele viu, nem recorda...
E eu nada vi: só adivinho!
IN: Baú de Espantos

Mario Menino

sexta-feira

OBSESSÃO DO MAR OCEANO


Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas...e moças nas janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas...caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrine do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su’alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontraremos sobre o Mar Oceano,
Quando eu já não tiver mais nome.

In: Aprendiz de Feiticeiro

quinta-feira

AH MUNDO...


Ah, Mundo…

Perdão!
Eu distraí-me ao receber a Extrema-Unção.
Enquanto a voz do padre zumbia como um besouro
eu pensava era nos meus primeiros sapatos
que continuavam andando
que continuam andando
- rotos e felizes! -
por essas estradas do mundo.

MEMÓRIA

Em nossa vida ainda ardem aqueles velhos,
aqueles antigos lampiões de esquina
Cuja luz não é bem a deste mundo...
Porque, na poesia, o tempo não existe!
Ou acontece tudo ao mesmo tempo...
In: Velório sem Defunto

O nada é a palavra que mais assusta o comum das gentes. Mas, para exorcizá-lo, ninguém precisa ir aos padres, às mães-pretas, aos índios velhos, ao diabo: basta ir a um dicionário e verá que o nada não existe. Sim, é uma coisa tão absurda como a existência do mundo…”

ORAÇÃO

Dai-me a alegria
Do poema de cada dia.
E que ao longo do caminho
Às almas eu distribua
Minha porção de poesia
Sem que ela diminua...
Poesia tanta e tão minha
Que por uma eucaristia
Possa eu fazê-la sua
“Eis minha carne e meu sangue!”
A minha carne e meu sangue
Em toda a ardente impureza
Deste humano coração...
Mas, ó Coração Divino,
Deixai-me dar de meu vinho,
Deixar-me dar de meu pão!
Que mal faz uma canção?
Basta que tenha beleza

In: A Cor do Invisível

quarta-feira

QUINTANA APOSTADOR

QUINTANA APOSTADOR
Mario Quintana foi o protótipo do sujeito desligado do futebol, aliás, de qualquer esporte. Não torcia por nenhum clube. A dupla Gre-Nal nada representava para ele. Nem mesmo os jogos de uma Copa do Mundo, que agitavam a redação do jornal onde trabalhava, interferiam no seu costumeiro cismar poético.
Há, no entanto, em sua biografia uma particularidade pouco conhecida que, de certa forma, desmente tudo isso. Sou testemunha de que o nosso poeta maior cultivou, durante anos, com meticulosa rotina, uma estreita relação com o futebol ou, mais precisamente, com a loteria esportiva, hoje chamada de loteca.
Foi na segunda metade da década de 70, quando começou a participar, todas as semanas, do concurso de apostas. Claro que jamais prestou atenção nos nomes das equipes e menos ainda entrou numa casa lotérica para preencher um volante. Anos mais tarde, Quintana chegou a tomar gosto pela loteria de números, a Loto. Mas, quanto à esportiva, descobrira uma forma mais prática e simples de fazer a sua fezinha no jogo.
Todas as quintas-férias à noite, ao encerrar seu expediente, passava pelo setor de esportes do antigo Correio do Povo para participar do “bolão” que o editor Paulo Moura e eu organizávamos. Era o apostador mais assíduo e pontual. Chegava sempre com a cota certa na mão: uma nota de dez. As vezes, contrariando a regra, tinha que revirar os bolsos à procura do dinheiro, tirando para fora vários papéis com rabiscos, endereços, cartas amassadas, rascunhos de poemas, mil coisas.
Cuidadoso (ou desconfiado?), Quintana nunca deixava de conferir se seu nome realmente ficara anotado na lista, repetindo, invariavelmente, o mesmo alerta: “Não esqueça de colocar aí o PG (pago)!” Jamais se preocupava em dar palpite ou em saber que tipo de aposta iria ser feita. “Confio cegamente nos entendidos em futebol”, costumava dizer.
Na segunda-feira, a primeira coisa que fazia ao entrar na redação era se aproximar da nossa mesa para, discretamente, perguntar: “Como é, foi desta vez que ficamos ricos?” Diante da invariável resposta negativa ou da informação de que havíamos feito apenas nove ou dez pontos, tinha sempre um consolo: “Até que fomos bem. Da próxima vez vai dar, com certeza”.
Nunca me ocorreu perguntar ao poeta o que faria com a parte dele, se um dia acertássemos os 13 pontos.
- Texto publicado originalmente em Zero Hora, dia 05 de abril 2006, na seção semanal "Mario Quintana e seus leitores".
ANTÕNIO GOULART
- Jornalista profissional, com formação em Letras (Ufrgs). Diretor Cultural da Associação

Numa das lotéricas da capital do RS, o conhecido Periquito da Sorte - onde Quintana costumeiramente ia jogar, um dia num bilhete ele deixou seu apreço pelo jogo dedicando ao dono da lotérica a seguinte homenagem: " Ao querido amigo Muccillo uma lembrança do velho amigo e freguês Mário Quintana - 1983" O bilhete foi guardado no cofre do lotérico que o tem como uma relíquia.

terça-feira

SONETO


SONETO

Para Sandra Ritzel

A morte escolhe com gentil cuidado
e não às cegas, no dizer das gentes,
Quantas já vi no seu caixão doirado
com seus lindos perfis adolescentes...

Pareciam voltar a um internato
depois de haverem terminado as férias...
Mas lá seguiam todas, muito sérias,
-as mais pequenas para um orfanato.

Hoje, porém, são tantos os cuidados
se custa a morrer na flor dos anos...
Mas que mundo, que sonhos, que esperanças

se houvesse apenas jovens e crianças,
e os Poetas... que não tem nenhuma idade
e inauguram o mundo a cada instante!

In: Baú de Espantos

segunda-feira

A CASA FANTASMA


O maravilhoso espanto de viver por um só instante (in Apontamentos de História Sobrenatural, 1976) em sua pobre eternidade, os deuses desconhecem o preço único do instante... (in Baú de Espantos, 1986)

A CASA FANTASMA

A casa está morta?
Não: a casa é um fantasma,
um fantasma que sonha
com a sua porta de pesada aldrava,
com seus intermináveis corredores
que saíam a explorar no escuro os mistérios da noite
e que as luzes, por vezes,
enchiam de um lívido assombro...
Sim!
Agora
a casa está sonhando
com o seu pátio de meninos pássaros.
A casa escuta...Meu Deus! A casa está louca, ela não sabe
que em seu lugar se ergue um monstro de cimento e aço:
há sempre uma cidade dentro da outra
e esse eterno desentendimento entre o Espaço e o Tempo.
Casa que teimas em existir
a coitadinha da velha casa!
Eu também não consegui nunca afugentar meus pássaros

In: Baú de Espantos

sábado

POEMAS CURTOS


Trova

Fosse o mundo um paraíso...
- Paraíso de verdade!
morrerias sem saber
o que é a felicidade...

O poeta

Venho de fundo das eras,
Quando o mundo mal nascia...
Sou tão antigo e tão novo
Como a luz de cada dia!

A mulher biônica

Eu quero uma mulher biônica
Que me ame como uma suspirosa máquina
Do mais intenso amor
Uma mulher que quase me mate...
Mas me livre de todos os ataques!
Eu quero, quero uma mulher biônica
Para que eu possa, a qualquer momento,
Desaparafusá-la...

In: Esconderijos do Tempo

sexta-feira

POEMAS DE BAR


Em alguns momentos, o poeta percebe que o mundo tornou-se intraduzível, estranhamente irreconhecível, e de que não é mais possível sintonizar a palavra poética à música do universo. Vejamos como a realidade se apresenta fragmentada, a partir do olhar contemplativo do poeta, em um dos seus famosos “poemas de bar”:

Bar

No mármore da mesa escrevo
Letras que não formam nome algum.
O meu caixão será de mogno,
Os grilos cantarão na treva...
Fora, na grama fria, devem estar brilhando as gotas
pequeninas do orvalho.
Há, sobre a mesa um reflexo triste e vão
Que é o mesmo que vem dos óculos e das carecas.
Há um retrato do Marechal Deodoro proclamando a República...
E de tudo irradia, grave, uma obscura, uma lenta música...
Ah, meus pobres botões! Eu bem quisera traduzir, para vós, dois ou
três compassos do Universo!...
Infelizmente não sei tocar violoncelo...
A vida é muito curta, mesmo...
E as estrelas não formam nenhum nome.

In: Aprendiz de Feiticeiro

FOTO DANIEL ANDRADE SIMÕES



Augusto Meyer, ao referir-se a esse poema, confessou que via, nesses versos, “a imagem do poeta em sua aventura noturna, de bar em bar, com medo de recolher-se à pensão distante, no alto da ladeira triste, quando os gatos cruzam a rua e a cerração da madrugada põem um gosto amargo na boca”.
No poema, o autor recria um desses momentos de introspecção. Assim, como as letras estão soltas sobre a página na sua misteriosa ausência de lógica, o olhar do poeta pousa aleatoriamente sobre os elementos que compõem o espaço e seu pensamento não segue qualquer linha racional, ultrapassando as fronteiras do espaço e do tempo. Ele se projeta para o futuro, idealizando o seu caixão, “de mogno”, e os grilos que cantarão na treva, em uma atitude que revela o desejo de fuga através da morte. Os grilos solitários cantores noturnos, estão sempre presentes na poesia de Quintana, podendo ser associados à própria figura do poeta que, sozinho na noite, procura notas para compor seu canto. Esse texto é exemplar para que vejamos como se manifesta, nO Aprendiz, o sentimento de impotência do eu-lírico, que passa a desejar a morte, ao sentir que a palavra lírica esvaziou-se de sentido.
Subitamente, ele volta-se de novo ao agora, imaginando a existência simples e bela das “pequeninas gotas de orvalho” que molham a grama e simplesmente existem, despreocupadamente. Elas são parte da misteriosa harmonia do universo, de que irradia a “grave”, “obscura”, “lenta música”, cujos compassos o poeta não consegue traduzir.
Mais uma vez as reticências marcam a suspensão da idéia dos versos. Nesse caso, é como se o silêncio que elas assinalam pudesse expressar a incapacidade do escritor de chegar a uma tradução coerente dos mistérios do mundo. Ele sente que seu instrumento (a palavra), perdeu seu poder de dar significado à realidade humana (talvez se soubesse tocar violoncelo). À morte da palavra poética, portanto, o eu-lírico passa a associar a sua própria morte, como se o sentido de sua própria existência estivesse condicionado à sua tarefa como criador. Esvaziando-se a palavra, perde-se também a razão de ser do poeta.
Análise de Doris Munhoz de Lima

quinta-feira

DO CADERNO H


O Caderno H começou a ser publicado na Revista Província de São Pedro em Porto Alegre em 1945. Foi inclusive com parte desse material que Quintana montou em 1948 seu livro de poemas Sapato Florido. O Caderno H continuou a sair a partir de 1953 quando Quintana ingressa no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, na página literária, aos domingos. Somente em 1973 o poeta selecionaria desse amplo material, os fragmentos que comporiam o livro Caderno H publicado pela Editora Globo. Desde essa data as diversas reedições da obra comprovam o grande interesse do grande público pelos textos.Na bibliografia de Quintana o Caderno H liga-se diretamente a O Espelho Mágico pois ambos experimentam a prosa póética ou o poema em prosa previlegiando a forma epigramática como visão da realidade.

Leituras

Não, não te recomendo a leitura de Joaquim Manoel de Macedo ou de José de Alencar. Que idéia foi essa de teu professor? Para que haverias tu de os ler se a tua avozinha já os leu? E todas as lágrimas que ela chorou quando era moça como tu, pelos amores de Ceci e da Moreninha, ficaram fazendo parte de teu ser para sempre. Como vês, minha filha, a hereditariedade nos poupa muito trabalho.

Mario Quintana in: Caderno H

quarta-feira

MEU BONDE PASSA PELO MERCADO


O livro Baú dos Espantos consta de 99 poemas, alguns escritos ainda na adolescência do poeta e mantidos inéditos até então, recheados de imagens do baú da memória do poeta. É importante marcar aqui que não se trata do poeta escrevendo sobre si e sua história, no melhor estilo memorialista, mas de fragmentos líricos que remetem a uma memória não temporal, espantosa, mágica. No poema MEU BONDE PASSA PELO MERCADO pode-se perceber bem o que se afirma sobre a obra:

MEU BONDE PASSA PELO MERCADO

O que há de bom mesmo não está a venda,
O que há de bom não custa nada.
Este momento é a flor da eternidade!
Minha alegria aguda até o grito...
Não essa alegria alvar das novelas baratas,
Pois minha alegria inclui também minha tristeza
- a nossa tristeza...
Meu companheiro de viagens, sabes?
Todos os bondes vão para o Infinito!

IN: Baú dos Espantos


Este poema tem uma versão errada que corre pela internet, aliás como tantos outros poemas não só de Quintana, isso é fruto da pouca seriedade que é dada a pesquisa e a originalidade das fontes neste país.
Quintana na Praça de Alegrete

terça-feira

PRESENÇA

Vivo na imaginação o que a realidade me nega

Em várias das obras de Quintana, são diversos os textos que expressam a tendência em desconfiar dos sentidos, buscando uma visão mais profunda e verdadeira da fantasia criativa. O poema PRESENÇA a seguir, por exemplo, pode ser relacionado diretamente aos sentido dos versos publicados ontem com o poemA "De Repente":

PRESENÇA
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu te sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!

In: Apontamentos de História Sobrenatural


Este poema e o de ontem, embora pertençam a livros diferentes, expressam a mesma visão sobre memória e realidade, a qual permeia toda obra de Quintana. Para ele, a memória nunca é simples lembrança, evocação. Toda infância rememorada do homem, por exemplo, será sempre a mais bela, porque é vista do presente marcado pelas limitações da vida adulta.
Voltemos ao poema postado ontem “De Repente”, quando o poeta diz “O livro na mão/ Era sempre o teu seio”, está narrando uma experiência que pertence ao plano da memória/imaginação, primeiro, porque relata um fato no passado, o que já é memória. Segundo porque a experiência relatada é um momento de sonho: o poeta senta a presença da amada no livro. Suas linhas eram perfeitas porque haviam sido desenhadas pela saudade e pela ausência.
Os dois últimos versos do poema “De Repente”, postado ontem, expressam esse sentimento de tristeza e vazio que domina o presente na imagem dos cântaros e do cavalo. Lembremos que a imagem do cavalo é comum na poética quintaniana. No poema De Repente, portanto a imagem do cavalo denuncia o vazio que o poeta sente no presente. Sua vida só se reveste de sentido no ato da imaginação, ou seja, da criação.
A mesma análise pode ser feita perfeitamente com o poema de hoje “Presença”.

segunda-feira

PASSADO E PRESENTE

FOTO LIANE NEVES


Na obra de Quintana, chama a atenção a freqüência com que o autor manifesta, em sua poética, uma profunda consciência acerca da relação que se estabelece no texto poético entre memória e imaginação. Ele vislumbra “no par imaginário/memória uma realização particular da relação arte/realidade, ou seja, tudo o que é rememorado no poema, mesmo que não tenha sido vivido pelo homem empírico, nem por isso deixa de ser verdadeiro.
No Aprendiz de Feiticeiro, essa idéia quintaniana sobre memória e recriação também pode ser verificada em textos em que a lembrança e o sonho aparecem tematizados, apresentando-se como experiências mais agradáveis e sensíveis do que o contato direto do eu-lírico com a sua realidade.

DE REPENTE

Olho-te espantado:
Tu és uma Estrela do Mar.
Um minério estranho.
Não sei...

No entanto,
O livro que eu lesse,
O livro na mão.
Era sempre o teu seio!

Tu estavas no morno da grama,
Na polpa saborosa do pão...

Mas agora encheram-se de sombra os cântaros

E só o meu cavalo pasta na solidão.

In: Aprendiz de Feiticeiro.


No poema estão sinalizados dois momentos temporais. A primeira estrofe contém verbos no presente (olho-te, és) e indica a presença física do tu, cuja identidade feminina nos é sugerida pela palavra “seio”. A segunda e terceira estrofe referem-se a um tempo diferente, com verbos no pretérito. Esses momentos distintos não estão separados apenas pela sua localização no tempo, mas pertencem a experiências de natureza diversa vividas pelo poeta. Se a princípio, a imagem da “Estrela do Mar” nos inquieta, ao nos deixarmos envolver pela atmosfera de mistério que emana da primeira estrofe, percebemos que essa sensação de inquietude e dúvida é justamente o sentido buscado nos versos.
Por sua vez, as duas estrofes seguintes, que se referem ao momento passado, não marcado pela proximidade física do “tu” revelam um contato mais direto do poeta com sua amada. No passado, nos momentos em que era só lembrança, esse “tu” estava próximo, mostrava-se mais nitidamente. A memória que, para Mario Quintana, confunde-se com a própria imaginação, recriava-o e transformava-o segundo a sua vontade. Assim, a leitura de um livro, pela imaginação do poeta, era capaz de trazer para perto o que estava distante, o corpo da amada. Cada sensação vivida, “o morno da grama” o gosto da “polpa saborosa do pão”, podia ser o caminho para essa aproximação. As imagens que nos revelam esses momentos de memória denunciam o modo com que o poeta aguça seus sentidos para perceber a magia nos elementos do cotidiano.
Esses versos vinculam-se à idéia quintaneano de que a memória é capaz de tornar o passado mais verdadeiro, porque toda a memória é, na verdade, a transfiguração desse passado pela imaginação, a verdadeira forma de conhecimento. A realidade ameaça ruir seu mundo individual, constituído de sonho e da fantasia. Sua satisfação está no passado – porque pode ser recriado e transformado – ou no tempo sem datas da imaginação, sobre o qual o sujeito exerce seu poder criador sem limites.
Análise de Doris Munhoz de Lima
Passado e Presente

sábado

DA INFLUÊNCIA DOS ESPELHOS


Maravilhoso texto de Quintana, quanta reflexão se pode extrair destas poucas palavrasem que o poeta desnuda a realidade humana. Para os outros não somos a realidade, mas o que os outros querem ver. A vida é um palco onde representamos o que gostariamos de ser mas somos vistos com olhos que certamente não são como os nossos.

”Tu lembras daqueles grandes espelhos côncavos ou convexos que, em certos estabelecimentos, os proprietários colocavam à entrada para atrair os fregueses, achatando-os, alongando-os, deformando-os nas mais estranhas configurações?
Nós, as crianças de então, achávamos uma bruta graça, por saber que era tudo
ilusão, embora talvez nem conhecêssemos o sentido da palavra “ilusão”.
Não, nós bem sabíamos que não éramos aquilo!
Depois, ao crescer, descobrimos que, para os outros, não éramos precisamente
isto que somos, mas aquilo que os outros vêem.
Cuidado, incauto leitor! Há casos, na vida, em que alguns acabam adaptando-se
a essas imagens enganosas, despersonalizando-se num segundo”eu”.
Que pode uma alma, ainda por cima invisível, contra o testemunho de milhares de espelhos?
Eis aqui um grave assunto para um conto, uma novela, um romance, ou uma tese
de mestrado em Psicologia.”

In: Na Volta da Esquina (1979)

CARTA A MARIO QUINTANA


Caro poeta Mario Quintana

Pediram-me para escrever sobre você e eu então resolvi escrever para você. Você é tão grande dentro de sua simplicidade e sinceridade de gaúcho do interior que tenho até medo de não encontrar as palavras certas.
Você nasceu em Alegrete, mas eu sei, porque vejo nos seus versos, o quanto ama Porto Alegre. Eu também amo. Já morei lá e volta e meia estou por lá. Falei que você é grande dentro de sua simplicidade porque você escreve coisas profundas em versos singelos. Gosto muito de suas quadrinhas. Algumas são cheias de humor, outras são irônicas, outras encerram verdades indiscutíveis e muitas dão conselhos como um experiente psicólogo.
Você não é complicado. A gente entende tudo o que você escreve. Sim, porque tem poema que embaralha as palavras de um jeito que não se entende e então a poesia não penetra na alma.
Sabe, gosto muito do poema “Os Arroios” de seu livro Baú de Espantos:
“Os arroios são rios guris.
Vão pulando e cantando dentre as pedras...
Conhecem o cheiro e a cor das flores que se debruçam sobre eles
Nos matos que atravessam e onde parecem quererem sestear...”.
Sinto não ter podido um dia visitá-lo no Hotel Magestic onde morava, para da sacada, contemplaremos o Guaíba e batermos um longo papo. E, se você concordasse, eu pediria que recitasse seu poema “Dedicatória” do livro A Cor do Invisível onde você mesmo define a sua poesia e que termina assim:
“E por isso as minhas palavras são cotidianas como o pão nosso de cada dia
E a minha poesia é natural e simples como a água bebida na concha da mão.”

Um abraço cordial,
Else Sant’anna Brum

sexta-feira

PAUSA


Se procurássemos resumir em um único vocábulo o que é, para Mario Quintana a essência de sua poesia, esse vocábulo seria IMAGINAÇÃO e, por extensão, a capacidade de se criarem imagens. Para Quintana, poesia e imaginação se confundem; são, na realidade, uma mesma coisa como nos mostra o seguinte texto:

PAUSA

Quando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na leitura de minhas próprias coisas, surpreendo-me a indagar com que se parecem os óculos sobre a mesa.
Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas?
Com algum ciclista tombado?
Não, nada disso me contenta ainda. Com que se parecem mesmo?
E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.
E enquanto o meu Sancho Pança, cheio de si e de senso-comum, declara ao meu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa, além de parecerem apenas uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois – Don Quixote ou Sancho? – vive uma vida mais intensa, portanto, mais verdadeira...
E paira no ar o eterno mistério dessa necessidade de recriação das coisas em imagens, para terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.
Esse enigma, eu o passo a ti, pobre leitor.
E agora?
Por enquanto, ante a atual insolubilidade da coisa, só me resta citar o terrível dilema de Stechetti:
“lo sonno um poeta o sonno um imbecille?”
Alternativa, aliás, extensiva ao leitor da poesia...
A verdade é que a minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar e não pensar por ele.
E daí?
- Mas o melhor – pondera-me, com a sua voz pausada, o meu Sancho Pança – o melhor é repor os óculos no nariz.

In: A vaca e o hipogrifo.

quinta-feira

FLORESTA


Dédalo de dedos.
Lanterninhas súbitas
Escutam as orelhas-de-pau.Ssssio...
O gigante deitado
Se virou pro outro lado.
A velha Carabô
Parou de pentear os cabelos
É o Vencido... são as duas mãos e a cabeça do Vencido que se arrastam.
Que se arrastam penosamente para o poço da Lua,
Para o frescor da Lua, para o leite da Lua, para a lua da Lua!
(Filha, onde teria ficado o resto do corpo?).


in: Aprendiz de Feiticeiro

Nesses versos, Quintana exercita sua capacidade de imaginar livremente, como criança, sem se importar com as verdades lógicas. O texto traz imagens que podem ser associadas a elementos naturais, como as “orelhas-de-pau” (espécie de fungo), as “lanterninhas súbitas” (vaga-lumes), ou a Lua. Ao mesmo tempo aparecem nos poemas seres que pertencem somente ao mundo simbólico, imaginário: “o gigante”, o “velho Carobô” e “o Vencido”. Como a criança, o poeta não faz diferença entre essas duas realidades, pois é capaz de deixar de lado a visão racional. Para um adulto uma mesa é uma mesa, sólida, resistente. Para a criança, ocorre de maneira diferente: Onde começa o real? Onde termina?
Análise de Doris Munhoz de Lima

quarta-feira

UM POUCO DE MARIO 7


Texto escrito por Odiles Canton, Jornalista:
Vou reproduzir um trecho do livro A Globo da Rua da Praia, pagina 197,198 e 199, cujo autor, José Bertaso, narra como Quintana fez seu famoso poema " O Mapa"! A narrativa agora não é mais minha, mas sim do Bertaso:

" Quando a editora(Globo) se mudou para o bairro Menino Deus, em 1971, seguidamente Mário Quintana vinha nos visitar, e suas visitas eram realmente uma festa. Como velho conhecido da casa fazia questão de conversar com todos os chefes de departamento e seus auxiliares. No departamento de divulgação e vendas com Josefina Gama, no departamento de artes com João Braga e,depois, Leonardo Menna Barreto Gomes, na contabilidade com Osmar Csaa(sobre a situação de sua conta de direitos autorais) e,finalmente,antes de entrar na minha sala para saborear um cafezinho que, segundo ele, era feito com a tinta e aguarrás que sobravam da impressão de seus livros, conversava tímida e longamente com Maria da Glória Bordini.
Lembro-me de um final de tarde, em meados do outono de 1975, quando nos levou os originais de seu novo livro, Apontamentos da História Sobrenatural. Da minha sala, situada no sexto andar do prédio que ocupávamos no Menino Deus (cada andar tinha um pé direito com mais de 3 metros), descortinava-se uma vista maravilhosa. De um lado, o sol declinava mergulhando no Guaíba. À nossa frente, a cidade. Pousando o original de seu novo livro em minha mesa, Mario dirigiu-se à janela e nos disse, como se nunca tivesse se apercebido antes:

- QUE BELO MAPA DA CIDADE.
Levantei-me junto com Maria da Glória, fomos para o seu lado e ouvi-o repetir:

- QUE BELO MAPA DA CIDADE.
Efetivamente, do nosso lado esquerdo uma avenida seguia em direção ao centro, com as suas transversais que desembocavam numa outra avenida à nossa direita, com palmeiras nos canteiros do centro.O que aconteceu depois naquele final de tarde nos deixou muito impressionado. Enquanto voltava para minha mesa para atender ao telefone e Maria da Glória saía da minha sala para instruir Carmem Lanes sobre os termos do contrato, o poeta sentou-se à mesa de reuniões e começou a rabiscar algo num bloco. Falando ao telefone, vi Maria da Glória voltar à minha sala alguns minutos depois com a cafeteira e servir o poeta, que aproveitou a pausa para acender um novo cigarro. Ato contínuo, Maria da Glória sentou-se à mesa de reuniões e permaneceu muda enquanto Quintana rabiscava no bloco. Finalmente, depois de anotar uma solicitação de Antônio Leite ao telefone, ouvi uma gostosa gargalhada. Era o poeta exultante, acompanhado de um " Meu Deus" de Maria da Glória. Exclamava ele:

- Acabei de produzir uma poesia. O MAPA, para o meu novo livro.
Não entendendo bem o que estava se passando, recebi das mãos de Maria da Glória uma folha manuscrita com uma explicação muito agitada: " José Otávio, o Mario escreveu um poema inspirado naquilo que viu da tua janela".
Juntando-me a eles na mesa de reuniões, li sem dificuldade o que Quintana escrevera e que pretendia acrescentar ao original que repousava em minha mesa. Eis seu O MAPA, que está na página 143 de seu livro Apontamentos de História Sobrenatural, publicado por nós no outono do ano seguinte:

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
( É nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
( E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for,um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
( Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso.

Aniversário do Poeta


Neste mês,
em homenagem ao aniversário de nascimento
do poeta Mario Quintana,
estarei postando artigos especiais
entre os dias 27 e 30 de julho

NO SILÊNCIO TERRIVEL


No silêncio terrível do Cosmos
Há de ficar uma última lâmpada acesa
Mas tão baça
Tão pobre
Que eu procurarei, às cegas, por entre os papéis revoltos,
Pelo fundo dos armários,
Pelo assoalho, onde estarão fugindo imundas ratazanas,
O pequeno crucifixo de prata
-O pequenino, o milagroso crucifixo de prata que tu me deste um dia
Preso a uma fita preta.
E por ele os meus lábios convulsos chorarão
Viciosos do divino contato da prata fria...
Da prata clara, silenciosa, divinamente fria – morta!
E então a derradeira luz se apagará de todo...

In: Aprendiz de Feiticeiro

Esses versos reafirmam a consciência da solidão do homem, desnorteado com sua vida vazia e sem Deus, nostálgico do contato com o transcendente outrora vivido e da segurança das certezas religiosas perdidas. No poema parece restar somente a angústia diante do fim que é associado agora ao silêncio e à escuridão. Ele se vê a procurar desesperadamente o crucifixo – outrora ganho de alguém – objeto que pode lhe ter trazido conforto e segurança no passado. No momento em que se vê só, sentindo a presença da morte, “envolvido pelo terrível silêncio do Cosmos”, o poeta busca sofregamente o objeto perdido, embora saiba que este será incapaz de preservar-lhe a vida, por ser apenas matéria: “prata clara, divinamente fria – morta!”.

terça-feira

OS ETERNOS DEUSES


Os deuses não sabem apanhar o momento esvoaçante
como quem aprisiona um besouro na mão,
não sabem o contacto delicioso, inquietante
de que – só uma vez! - os dedos reterão...
Em sua pobre eternidade, os deuses
desconhecem o preço único do instante...
e esse despertar, ainda palpitante,
de quem cortasse em meio um sonho vão.
No entanto a vida não é um sonho...Não:
aberta numa flor ou na polpa de um fruto,
a vida aí está eterna: nossa mão
é que dispõe apenas de um minuto.
E todos os encontros são adeuses...
(Como riem, meu pobre amor...Como riem, de nós,
esses eternos deuses!)

in: Baú de espantos.

segunda-feira

A NOITE


A noite é uma enorme Esfinge de granito negro
La fora.
Eu acendo a minha lâmpada de cabeceira.
Estou lendo Sherlock Holmes.
Mas, nos ventres, há fetos pensativos desenvolvendo-se...
E há cabelos que estão crescendo, lentamente, por debaixo da terra,
Junto com as raízes úmidas...
E há cânceres...cânceres!...distendendo-se como lentos dedos...
Impossível, meu caro doutor Watson, seguir o fio desta sua confusa e
deliciosa história.
A noite amassa pavor nas entrelinhas.
É um grude espesso, obscuro...
Vontade de gritar claros nomes serenos
PALLAS NAUSICAA ATHENA Ai, mas os deuses se foram...
Só tu aí ficaste
Só tu, do fundo da noite imensa, a agonizares eternamente na tua cruz!...

In: Aprendiz de Feiticeiro

Cristh of Saint John- Salvador Dali

Inicialmente, esse texto nos apresenta o poeta em uma cena cotidiana: ele está lendo um livro sob “a lâmpada da cabeceira”, durante a noite. A imagem da Noite, porém
Surge como “uma enorme Esfinge de granito negro”, envolvendo a cena com uma aura de mistério, que é reforçada pelas maiúsculas sugestivas. O uso da palavra “Esfinge” nos leva a pensar imediatamente que essa noite tem um caráter enigmático, que é algo a ser decifrado. Por mais que o poeta afirme estar lendo Sherlock Holmes, sua mente não consegue deter-se na seqüência da narrativa e deixa de “seguir o fio” daquela “confusa e deliciosa história”. Ele sabe que, muito mais inquietantes do que os casos enigmáticos desvendados objetivamente pelo detetive, são os mistérios da vida (e da morte), porque esses são indecifráveis. O eu-lírico deixa-se envolver por pensamentos temerosos, imagens de pavor que “a noite amassa nas entrelinhas”: “fetos pensativos desenvolvendo-se”, cabelos crescendo, “lentamente por debaixo da terra”, cânceres “distendendo-se como dedos”. Torna-se impossível ler, porque o “grude espesso, obscuro” da Noite cola-se ao seu ser.
Tomado de pavor, ele expressa sua vontade de “gritar claros nomes serenos”, com os que aparecem em letras maiúsculas iluminando o poema. PALLAS NAUSICAA ATHENA, são as palavras que grita, as quais formam uma seqüência de “AS” abertos e sonoros. Estes surgem como um instante de liberdade. Mas logo em seguida o poeta lembra que “os deuses se foram” e que ele não tem a quem recorrer. Afinal, resta a ele apenas a companhia do único que ficou, do Deus crucificado, que permanece no “fundo da noite imensa” a agonizar eternamente na sua cruz. Esses versos finais nos trazem um outro sentido simbólico para a Noite. Ela passa a ser a imagem da escuridão desconcertante pela qual o homem se vê envolvido desde que abandonou a sua comunhão com o transcendente. Ela é símbolo da angústia da humanidade sem norte, cujo Deus distante revela-se na imagem do Cristo crucificado. O Cristo é o único símbolo possível ao homem moderno, é a manifestação de sua frustração antológica e vivencial, num mundo opaco, doloroso, enigmático e opressor. A imagem se apresenta como uma pálida esperança de redenção futura, pano de fundo de uma vida calcada na insegurança e na incerteza em que resta apenas “o silêncio terrível do Cosmos”.
Análise de Doris Munhoz de Lima

sexta-feira

JAZZ


Deixa subirem os sons agudos, os sons estrídulos do jazz no ar.
Deixa subirem: são repuxos: caem...
Apenas ficaram os arroios correndo sem rumor dentro da noite.
E junto a cada arroio, nos campos ermos,
Um Anjo de Pedra estará postado.

O Anjo de Pedra que está sempre imóvel por detrás de todas as coisas
Em meio aos salões de baile, entre o fragor das batalhas, nos comícios
das praças públicas
E em cujos olhos sem pupilas, brancos e parados,
Nada do mundo se reflete.

In: Aprendiz de feiticeiro


O “Anjo de Pedra” criado pelo poeta é único deus compatível com a visão de mundo do homem moderno: frio, distante, sem poder algum de interferir na realidade. Embora esteja presente em todos os lugares, postado imóvel “por detrás de todas as coisas”, ele não se manifesta e a razão de sua existência também não é expressa no texto. Nada resta, nessa imagem, do poder sobrenatural conferido aos anjos segundo a tradição cristã.
No Anjo de Pedra, “ nada do mundo se reflete” pois o mundo, também é de pedra, frio e impassível. Seus habitantes estão sempre ocupados “em meio aos salões de baile, entre o fragor das batalhas, nos comícios das praças públicas” a vida virou um contínuo transcorrer de atividades coletivas e massificantes, que não deixam espaço para que a sensibilidade e a espiritualidade individuais se desenvolvam.
Análise de Doris Munhoz de Lima

A ALMA E O BAÚ

Salvador Dali-The Anthropomorphic Cabinet-1936

Tu que tão sentida e repetida e voluptuosamente te entristeces e
adoeces de ti,
É preciso rasgar essas vestes de dó,
As penas é preciso raspar com um casco, uma
Por uma: são
Crostas...
E sobre a carne viva
nenhuma ternura sopre.
Que ninguém acorra.
Ninguém, biblicamente, com seus bálsamos e olores...
Ah, tu com as tuas cousas e lousas, teus badulaques, teus ais
ornamentais, tuas rimas,
esses guizos de louco...
A tua alma (tua?) olha-te, simplesmente.
alheia e fiel como um espelho.
Por supremo pudor, despe-te, despe-te, quanto mais nu, mais tu,
despoja-te mais e mais.
Até à invisibilidade.
Até que fiquem só espelho contra espelho
num puro amor isento de qualquer imagem.
- Mestre, dize-me... E isso tudo valerá acaso a perda do meu baú?

In: Apontamentos de história sobrenatural

quinta-feira

ENVELHECER EM QUATRO VERSOS (II)

Velho homem triste - Van Gogh

OS VELHINHOS

Como os velhinhos - quando uns bons velhinhos
São belos, apesar de tudo!
Decerto deve vir uma luz de dentro deles...
Que bem nos faz sua presença!
Cada um deles é o próprio avô
Daquele menininho que durante a vida inteira
Não conseguiu jamais morrer dentro de nós!

In: Velório sem defunto


Os poemas analisados demonstram que envelhecer é, antes de tudo, trilhar um caminho que leva a adquirir experiência, ora considerada algo positivo; ora, dispensável. Envelhecer, às vezes, equivale a estar abandonado, esperando a chegada da morte; até porque, de acordo com o sujeito poético não há diferença entre o velho e o doente terminal. Além disso, aquele que sofre do mal chamado vida longa, ao perder a utilidade torna-se um indivíduo improdutivo, impotente e portanto descartável.
Em compensação, a lírica de Quintana revela que envelhecer é manter viva a lembrança da casa em que nasceu, e vasculhar os esconderijos da própria memória, desejando de volta os brinquedos que já ganhou e perdeu. É ser, “ainda o mesmo menino teimoso de sempre” e não perder a capacidade de sonhar nem de imaginar só porque “envelheceu, um dia, de repente”. Tornar-se velho é preservar a fé na “luz sagrada”, na “chama” apesar da descrença na humanidade que passa a nutrir com o passar dos anos. Envelhecer é, ainda, encontrar uma imagem ancestral no espelho onde reflete o próprio rosto, e ver nesse mesmo rosto “o tempo escorrer”, sem sobressaltos. É reconhecer que foi invadido, “ruga a ruga”, “pelo velho pai que já morreu”, e resignar-se, afinal, a uma transfiguração que o leva ao reencontro com a sua própria história, com suas próprias raízes. Ficar velho significa ir se desiludindo e com isso obter uma “extraordinária sensação de alívio”. Envelhecer para o sujeito lírico da obra de Quintana é, enfim, tornar-se mais leve.

O VELHO DO ESPELHO

Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu?
Parece meu velho pai - que já morreu!
Nosso olhar duro interroga:
"O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste...
In: Apontamentos de história sobrenatural"

Análise de Nathalia Sabino Ribas
NESTE MÊS, EM COMEMORAÇÃO AO ANIVERSÁRIO DO NASCIMENTO DE MARIO QUINTANA POSTAREI UMA SÉRIE DE ARTIGOS ESPECIAIS NA SEMANA DE 27 A 30 DE JULHO.

quarta-feira

ENVELHECER EM QUATRO VERSOS (I)

Cabeça de velho - Candido Portinari

O poema “Envelhecer” já foi postado neste blog, em março, mas é interessante retomá-lo e compará-lo a outros poemas de Quintana sobre o tema. “Envelhecer” sintetiza em apenas quatro versos toda uma fase da vida humana. Nesse quarteto, o sujeito poético compara o passar do tempo a uma estrada de mão dupla, resumindo a juventude como uma trilha para novas descobertas e a velhice como um atalho para o isolamento e a morte. O poeta, no entanto, não demonstra qualquer tipo de desespero frente a este último “caminho”. Ao contrário, fala dele com profunda resignação:

Antes todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.


Estabelecendo-se um diálogo entre esse quarteto e o poema “Do mal da velhice”, tem-se um contraponto, pois aqui o poeta demonstra maior dificuldade em aceitar o peso da idade. Desde o título, torna-se evidente o desprezo com que ele aborda a questão da velhice, vista como uma fase em que as pessoas deixam de viver e passam apenas a encompridar “ainda mais” a “doença” que a velhice representa:

Chega a velhice um dia...E a gente ainda pensa
Que vive... E adora ainda mais a vida!
Como o enfermo que em vez de dar combate à doença
Busca torná-la ainda mais comprida...


Quintana também trata o tema velhice com bom humor:
“Velhice é quando um dia as moças começam a nos tratar com respeito e os rapazes sem respeito algum”

Outro assunto relacionado à velhice que recebe igual atenção por parte da lírica quintaniana é a questão “Da experiência”. Segundo o poema a experiência é tão útil ao velho quanto é, para o “doente perdido”, a receita forjada pelo “médico tardio”:

A experiência de nada serve à gente.
É um médico tardio, distraído:
Põe-se a forjar receitas quando o doente
Já está perdido...


A análise dos poemas é de Nathalia Sabino Ribas