A cidade de Porto Alegre não seria a mesma sem a grande presença do poeta Mario Quintana, que deixou a sua marca na memória emotiva da capital sul-rio-grandense. Ele opta por sair da sua terra natal – Alegrete - ainda jovem, adotando Porto Alegre como a sua cidade, a cidade de seu coração. Todo esse encantamento face à cidade escolhida, todos os seus quintanares de contemplação, faz de Quintana “o poeta da cidade”. É o poeta da cidade porque esta é tema recorrente na sua lírica, cidade de múltiplas facetas, capaz de despertar sentimentos diversos no poeta. Mas a cidade vai se transformando ao longo do tempo, se modernizando, enquanto o poeta vai envelhecendo. Ambos trilham juntos os caminhos da vida, numa relação de cumplicidade, com direito a diálogos, idealizações, perplexidade, imaginações, sendo um para o outro a grande companhia.
Mario Quintana testemunha as mudanças que ocorrem em Porto Alegre, é aquele que caminha e aprecia as suas ruas, as suas casas antigas, as crianças, o cotidiano. Num momento inesperado, o simples o surpreende e o inspira a poetizar e registrar aquilo que só ele é capaz de perceber.
Notamos que a temática da modernização, em Quintana, associa-se a sentimentos de perda, de abandono, de solidão e de melancolia. O poeta carrega consigo uma dor nostálgica, mostrando uma certa negatividade face à cidade presente. A visão melancólica de Mario Quintana face à transformação do cenário urbano, o seu descontentamento, fica evidente.
Eduardo Lourenço (1999), em seu livro Mitologia da Saudade, delineia uma leve diferenciação entre os sentimentos de melancolia, tristeza, saudade, tédio e nostalgia. Para Lourenço, a saudade, a tristeza e a nostalgia são sentimentos relacionados à perda de alguma coisa, permitindo, assim, o seu afastamento com a idéia de que se vai recuperar algo. Já a melancolia é mais complexa, pois não tem causa precisa.
Em “Canção de Outono”, percebemos as indagações do poeta Mario Quintana na segunda estrofe - “Tristeza? Encanto? Desejo? / Como é possível sabê-lo?”, uma indefinição própria da melancolia, embora ele utilize a palavra tristeza:
CANÇÃO DE OUTONO
O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dolorido
De carícia a contrapelo...
Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma...
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!
Mario Quintana in: Canções