CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
DURANTE TODA A SUA VIDA

sexta-feira

Mario Quintana: FUNÇÃO


Dizem que Quintana é o poeta das coisas simples. Realmente o é. Consegue transformar em poesia uma ruazinha sossegada ou, um vôo de pássaros sobre uma praça interiorana. Mas Quintana também fala de coisas complicadas, buscando no fundo da alma um sentido, um significado. Suas construções poéticas têm às vezes um sentido psicológico, que exige várias releituras. É o que acontece no poema FUNÇÃO:

O poeta só, num pequeno mundo, que ele compara ao picadeiro de um circo, no qual é movido por fios de Marionete (amarrados em estrelas, talvez comandados por Deus, talvez pelo destino).
O poeta declama seus poemas...tristes, lindos e tristes palavras e dança, como todos nós dançamos, humanidade, no meio do palco, sem saber quem nos olha no escuro.

FUNÇÃO

Me deixaram sozinho no meio do circo
Ou era apenas um pátio uma janela uma rua
uma esquina

Pequenino mundo sem rumo


Até que descobri que todos os meus gestos
Pendiam cada um das estrelas por longos fios invisíveis

E havia súbitas e lindas aparições como aquela das
longas tranças


E todas imitavam tão bem a vida
Que por um momento se chegava a esquecer a sua
cruel inocência do bonecas


E eu dizia depois coisas tão lindas
E tristes
Que não sabia como tinham ido parar em minha boca


E o mais triste não era que aquilo fosse apenas um
jogo cambiante de reflexos


Porque afinal um belo pião dançante
Ou zunindo imóvel
Vive uma vida mais intensa do que a mão ignorada
que o arremessou


E eu danço, tu danças e nós dançamos
Sempre dentro de um círculo implacável de luz
Sem saber quem nos olha atenta ou distraidamente
do escuro...

Mario Quintana in: Apontamentos de História Sobrenatural

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