CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
DURANTE TODA A SUA VIDA

segunda-feira

QUINTANA E VERÍSSIMO - ENCONTRO DE HUMOR E POESIA


Sentados no mesmo sofá de courvia na lanchonete de um modesto hotel em Copacabana, o Canadá, num encontro de arrancar exclamações, dois dos mais expressivos representantes da cultura gaúcha. De um lado, compenetrado, de poucos sorrisos e nenhuma piada, acompanhado da sorridente mulher Lúcia, o humorista Luis Fernando Verissimo, 47 anos. De outro, generoso nas tiradas irreverentes, sob os cuidados da sobrinha Helena (em lua-de-mel no mesmo hotel), o solitário poeta Mário Quintana, 78 anos.
Morando na mesma cidade, Porto Alegre (Quintana num quarto do Hotel Royal, cedido em usufruto pelo seu dono, o jogador Falcão, e Verissimo com a família na casa que foi de seu pai, Erico, no bairro de Petrópolis), eles não se viam desde a feira do livro em novembro, no Rio Grande do Sul. Nem mesmo na feira de seu Estado - montada no Fashion Mall e para a qual vieram convidados pela Editora Globo - os dois se cruzaram.
Visivelmente sofrendo um problema de surdez que se agravou nos últimos três meses (segundo a sobrinha Helena), o poeta quer certificar-se de que ouvirá todas as perguntas, interroga a Helena se elas estão sendo dirigidas ao ouvido certo, com uma expressão típica dos gaúchos. “Está do lado de monta?” Não perde a oportunidade de fazer uma piada, ao explicar o que significa aquele termo: “É o lado certo de montar a cavalo. Só o Maluf sobe de um lado e cai do outro”.
Se o humorista é um dos que preferem fugir do Centro da cidade, residindo numa casa e num bairro mais afastado, o poeta não arreda pé e se mantém fiel aos quartos de hotéis em pontos centrais. E se explica: "Desconfio de que não sou muito família. Não poderia ficar 24 horas com uma pessoa. Sempre morei em mim mesmo e podendo ler tantos livros nunca estou só."
O ponto de encontro dos dois - como diz agora Luis Fernando - tem sido as visitas de Quintana à sua mãe, dona Mafalda, ou ao amigo comum, o romancista Josué Guimarães. Ambos adoram o Rio, para passear. Mário comenta que vem aqui com freqüência, mas as pessoas sempre acham que é a primeira vez. Verissimo, casado com uma carioca (pai de três filhos, Fernanda, 19 anos, Mariana, 16, e Pedro), volta e meia aparece. Quintana tem paixão especial por andar nos túneis cariocas ("O Rio é um cartão-postal, os túneis me descansam de tanta paisagem"). Luis Fernando concorda com o "exagero das paisagens", mas não compartilha do prazer em passar pelos túneis.
Quintana adorava cinema, no passado um de seus lazeres preferidos. Agora não vai mais. “Sou do tempo das estrelas, de Greta Garbo, agora a estrela é a cama”. Verissimo é mais ligado em música, jazz. “Toco saxofone, outro dia mesmo fiz isso num baile em Bagé”. E indagado como ainda encontra tempo para animar bailes, a resposta vem de Mário Quintana: "É que ele fala pouco, quem não conversa tem tempo".
O poeta vive brigando com as palavras para dizerem o que ele quer que digam. “Sempre tive dificuldade de escrever, acho que estilo é a dificuldade de expressão de cada um e, para se dar a impressão de que se fez uma coisa pela primeira vez, é preciso reescrever muito.” Verissimo encara a criação do mesmo modo. “Tenho dificuldade de escrever” - repete - “para mim não é uma coisa natural. Levo horas para chegar a um piada. Gosto mais de desenhar e, quanto mais a gente escreve, mais difícil fica.”
Quintana fala de suas fiéis amizades femininas - entre elas a bela Bruna Lombardi e a cantora Diana Pequeno, presentes na noite de autógrafos. "Nunca me abandonaram, mas se casaram com outros. Nunca me lembrei de pedi-las em casamento", brinca.
Conversa terminada, os dois descem pela Rua Santa Clara, a caminho do mar. Não param de falar animadamente. De que não se sabe. São dois gaúchos admirados e respeitados pelo que já deram à cultura e ao humor brasileiros, passeando por Copacabana.

Quintana e Verissimo, um encontro feito de humor e poesia, De Cleusa Maria. Jornal do Brasil, 4/5/84

Luis Fernando Veríssimo

MARIO QUINTANA - EU FIZ UM POEMA

Girassois - Van Gogh

Eu fiz um poema belo
e alto
como um girassol de Van Gogh
como um copo de chope sobre o mármore
de um bar
que um raio de sol atravessa
eu fiz um poema belo como um vitral
claro como um adro...
Agora
não sei que chuva o escorreu
suas palavras estão apagadas
alheias uma à outra como as palavras de um dicionário.
Eu sou como um arqueólogo decifrando as cinzas de uma cidade morta.
O vulto de um velho arqueólogo curvado sobre a terra...
Em que estrela, amor, o teu riso estará cantando?

In: Esconderijos do Tempo
Quintana em seu quarto - foto Liane Neves

quinta-feira

A POESIA SEGUNDO MARIO QUINTANA




“O primeiro verso que um poeta faz é sempre o mais belo, porque toda a poesia do mundo está em ser aquele seu primeiro verso”

“A poesia, porque alcança a superioridade da inspiração e do espírito, perdura além das coisas sujeitas a sucatas, a poesia nunca, pois é um sopro de eternidade.”

Os Invasores

Há muito que os marcianos invadiram o mundo:
São os poetas
e
Como não sabem nada de nada
Limitam-se a ter os olhos muito abertos
E a disponibilidade de um marinheiro em terra...
Eles não sabem nada nada
E só por isso é que descobrem tudo.

“Os poetas jogam os poemas sobre as águas do mar. Na Praia do Mar do Tempo que versos irão chegar?
MARIO QUINTANA

segunda-feira

VIDA


Vida

Não sei
o que querem de mim essas árvores
essas velhas esquinas
para ficarem tão minhas só de as olhar um momento.

Ah ! Se exigirem documentos aí do Outro Lado,
extintas as outras memórias,
só poderei mostrar-lhes as folhas soltas de um álbum de imagens:
aqui uma pedra lisa, ali um cavalo parado
ou
uma
nuvem perdida,
perdida...

Meu Deus, que modo estranho de contar uma vida!

In: Esconderijos do Tempo

sexta-feira

BAU DE ESPANTOS


ESPANTOS

Neste mundo de tantos espantos,
Cheio das mágicas de Deus,
O que existe de mais sobrenatural
São os ateus



O maravilhoso espanto de viver por um só instante (in: Apontamentos de História Natural, 1976... em sua pobre eternidade os deuses desconhecem o preço único do instante...(in: Baú de espantos, 1986)

Analisando a obra Baú de espantos Antonio Hohlfeldt inicia pelo título: o baú é um objeto em geral, hermeticamente fechado, contendo coisas velhas e antigas. Nesse caso específico o baú contém espantos, espantos surgidos a partir da convivência com a realidade. Os espantos são uma espécie de revelação, um procedimento que ocorre repentinamente, por uma como que iluminação, e que poderá ser captada ou recriada (ou não) pelo leitor durante a prática do poema.
A morte e sua significação, bem como todo o jogo escatológico que animam toda a existência humana, persistem nesse volume, e por certo, não haveria razão para desaparecerem justamente aqui, quando o poeta se indaga (nós) a respeito do que é (somos).

Quem nunca quis morrer,
Não sabe o que é viver
Não sabe que viver é abrir uma janela
E pássaros pássaros sairão por ela
E hipocampos fosforescentes
Medusas translúcidas
Radiadas
Estrelas-do-mar


Assim Quintana prossegue criando , poema após poema, livro após livro, até o fim de sua vida porque:

(...) um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...,

segunda-feira

A MENINA QUE AMA MARIO QUINTANA



O poema não é de Mario Quintana, é de André Martins, músico e compositor.

A MENINA QUE AMA MARIO QUINTANA

Doce é a menina que ama Mario Quintana.

Veio como um verso
Sem sinal ou prenúncio de chegada,
Tomou-me a mão, os olhos,
A alma.

Linda é a menina que ama Mario Quintana.

Que me fez moço, singelo e poeta
E pus-me a escrever, dedilhar, cantar
Enxugando-me a lágrima
Ensinou-me a amar.

E como menino fiquei,
Deixando-me encantar,
Por teus encontros com o sublime,
Por teus lábios sobre o Mar.

Que direi da menina que ama Mario Quintana?

Como os namorados que amam a bela Lua cheia
E os poetas que se deitam com a rima perfeita,
Ponho, de mãos dadas, a ofertar
A pequena rosa de um poema
Que fala e silencia num olhar.

Andre Martins, 2004

sexta-feira

ESTRANHAS AVENTURAS DA INFÂNCIA



Era um caminho tão pequenino
Que nem sabia aonde ia,
Por entre uns morros se perdia
Que ele pensava que eram montanhas...

Enquanto a tarde, lenta, caía,
Aflitamente o procuramos.
Sozinho assim, aonde iria?
Porém, deixamos para um outro dia...

Perdido e só, nós o deixamos!

E quando, enfim, ali voltamos
Já nada havia, só ervas más...
Tão vasto e triste sentiste o mundo
Que te achegaste, desamparada...

E foi bem juntos que regressamos,
Ombro com ombro, a mão na mão,
Enquanto, lenta, caía a tarde
E nos espiava a bruxa negra...

E nos seguia a bruxa negra
Que hoje se chama Solidão!

In: Baú de Espantos

terça-feira

MARIO QUINTANA - CADERNO H

O Caderno H não tem continuidade e deve ser lido como foi escrito – ao léu das horas, “que não são apenas passageiras, mas de humor variado”. E pode ser aberto em qualquer ponto. Aberto e interrompido. Não é Quintana quem assegura o valor das pausas? "Livro é aquele de que às vezes interrompemos a leitura para seguir – até onde? Uma estrelinha...Leitura interrompida? Não. Esta é a verdadeira leitura continuada”. É a melhor maneira de se aproveitar o Caderno H – livro contido na palavra e penetrante no dizer, pródigo em refletida ironia, alegre, melancólico às vezes, ora impiedoso e ora amável, sempre novo, inesperado e elegante, e sempre, a cada linha e a cada pensamento, iluminado de poesia.


NA SOLIDÃO DA NOITE

“Os velhos espelhos adoram ficar no escuro das salas desertas.
Porque todo o seu problema, que até parece humano, é apenas o seguinte:
- reflexos? ou reflexões?”


A MESTRA E OS ALUNOS

Dizem que a História é a mestra da vida. Mas como é que os seus protagonistas incorrem sempre nos mesmos erros? Não lhes aproveitou em nada o exemplo das reprovações anteriores.
Ou talvez lhes aconteça o mesmo que com os leitores de novelas policiais: cada qual sonha com o crime perfeito. O crime que compensa.

Mario Quintana – Caderno H – Ed. Globo