CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
DURANTE TODA A SUA VIDA

terça-feira

QUINTANA CAMINHANTE

Mais um poema que desmente a teoria de que Quintana é o poeta das coisas simples. Não é só de coisas simples que trata Quintana. Também trata de temas que nos põem a refletir e que exigem, como disse no poema anterior, várias releituras.

O poema “Elegia número onze” tem um fundo psicológico muito grande. Mostra a necessidade do poeta de perder-se na multidão. Ele lamenta a falta de gente na cidade deserta. Esse poema retoma a idéia dos versos do poeta moderno Antonio Machado – Caminhante / não há caminhos, / faz-se o caminho ao andar (cf. MACHADO, 1973, p. 158).
O poeta caminha pela cidade, e é esse caminhar, segundo James Hillman , que está cada vez menos presente na vida do homem moderno. Ele diz que “a locomoção tornou-se mecanizada, desde os dispositivos de controle remoto até, claro, os automóveis” o que torna cada vez mais desnecessário o caminhar na nossa rotina. A poesia de Quintana consegue perfeitamente retratar o que James Hillman está diagnosticando em 1993. A vida desse novo homem – o homem moderno não chama a atenção de Quintana, pois para ele é sem graça viajar de avião e transitar pelos aeroportos. A locomoção com o automóvel, afirma o autor, é uma experiência visual. Já nos aviões, nem a experiência visual acontece: ALGUMAS VARIAÇÕES SOBRE O MESMO TEMA

V
Tenho pena, isto sim, dos que viajam de avião a
jato:
só conhecem do mundo os aeroportos...
E todos os aeroportos do mundo são iguais,
Excessivamente sanitários
e com anúncios de Coca-Cola.
(QUINTANA)

Hillman diz que “andar acalma”, “caminhando estamos no mundo, encontramo-nos num lugar específico e, ao caminhar nesse espaço, tornamo-lo um lugar, uma moradia ou um território, uma habitação com um nome”. O psicólogo Hillman, analista que trabalha com a alma, decide abordar o tema da cidade, pois, mesmo analisando as pessoas num escritório fechado, ele diz que “é precisamente a rua aquilo que adentra o consultório”. Dessa forma, o seu trabalho se dá com as pessoas da cidade, afirmando que a cidade está na alma delas. Ele aponta para o fato de que a psicologia vem discutindo a questão de a vida urbana ser responsável pelas doenças psíquicas. Vamos nos deliciar portanto com esse maravilhoso poema.

ELEGIA NÚMERO ONZE

Não, não é uma série de pontos de exclamação
-é uma avenida de álamos...
E o que, e para quem, clamariam então?!
Deserta está a cidade.
Todas as avenidas, todas as ruas, todas as estradas, atônitas
se perguntam se vem ou se vão...
Em nada lhes poderiam servir estes postes de quilometragem:
estão apenas desenhados, como num mapa.
Ah, se houvesse uns passos, ainda que fossem solitários...
Se houvesse alguém andando sozinho... e bastava! São os passos
- são os passos que fazem os caminhos.
Deserta está a cidade.
Se houvesse alguém andando sozinho
- para eles se acenderiam então, como um olhar, todas as cores!
Porque a cidade está cega também.
O que não é visto por ninguém
não sabe a cor e o aspecto que tem.
A cidade está cega e parada com o descor de um morto.
Porque tudo aquilo que jamais é visto
- não existe...
Mario Quintana in: Esconderijo do Tempo

Um comentário:

Dilmar Gomes disse...

Amigo, tu tens razão. Muitos poemas do Mário são profundos.