Dia 30 de julho Quintana completaria 104 anos de idade. O poeta de Alegrete que dedicou sua vida à poesia nasceu dia 30 de julho de 1906.
O VELHO
O que eu mais temo não é o Sono Eterno, mas a possibilidade de uma insônia eterna, o que seria uma verdadeira estopada, um suplício sem fim. Porém, em uma das minhas costumeiras noites de sonho acordado, o meu amigo morto me pediu um cigarro, e disse-me:
- Não é como tu pensas, todos nós trabalhamos numa série infinita de escritórios (cada geração de mortos num deles) onde a gente se entrega a um sério trabalho de estatística: tem-se que anotar a chegada de cada um e comunicar-lhe o respectivo número, pois isso de nomes é mera convenção terrena. O pior são os que atrapalham a escrita, morrendo antes do tempo, ou porque se mataram ou por culpa dos médicos, e estes ainda são culpados quando fazem os doentes morrer depois da hora, numa espécie de sobrevida artificial, já que os médicos (diga-se em sua honra) julgam criminosa a prática da eutanásia...uma pena!
- E fora do expediente, o que fazem vocês?
- Bem, a hora do almoço não deixa de ser divertida por causa dos Santos: põem-se a discutis acaloradamente qual deles fez na Terra o maior número de milagres e outras futilidades.
- E nos serões, eles jogam prenda?
- Mais respeito, seu vivo!... Bem! Nos serões eles fazem concursos para ver quem é que diz de cor mais versículos da Bíblia. Uma bobagem! Todo mundo sabe que o único que sabe a Bíblia de cor, tintim por tintim, é o Diabo.
- E Deus ? Me conta como é Ele...
- Ah, o Velho? Desconfio que certa vez O vi...
- Só certa vez? Mas ele não está sempre no céu?
- Bem, tu deves compreender que Ele se preocupa principalmente com os vivos. O Velho está quase sempre e na Terra, lidando com os assuntos humanos. Ele e o Diabo. Sim, os dois vivem a maior parte do tempo na Terra.
- Ora, eu pensava que vocês soubessem mais do que nós... Mas conta lá como foi que desconfiaste de ter visto o Velho?
- Foi a tempos, eu era recém chegado, quando uma tarde apareceu de surpresa no escritório um velhinho muito simpático. Com as mãos nas costas, curvava-se sobre cada mesa, inspecionando o nosso trabalho, por sinal que me atrapalhei, errei uma palavra. Ele bate-me confortadoramente no ombro, como quem diz: “Não foi nada...não foi nada...” Ao retirar-se, já com a mão no trinco da porta, virou-se para nós e abanou: “Até outra vez, se Eu quiser!”.
Mario Quintana in: Poemas para a Infância
2 comentários:
Oi, Bernardo, que maravilha e hilário este papo entre os mortos! Ver a morte deste ângulo até que é confortante... Apenas Quintana e ninguém mais para nos deixar mais à vontade ao falar de sua eterna prometida! Acho que um exercício neste sentido nos fará bem, rsr.
Adorei, não conhecia.
Bjs
Tais luso
Oi Bernardo,
Adorei esta foto do Quintana, soprando as velinhas do bolo.
Essa graça de texto... só ele mesmo.
Bjs.
Estela
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