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sexta-feira

ESCADAS


Neste poema, admirável, encontramos diversos elementos que se unem: imaginação, realidade, passado (memória), presente (ruptura). A pesquisadora Tânia Carvalhal observa que “[...] nas velhas casas, os fantasmas que as habitam reiteram sentimentos que unificam passado e presente, em busca de uma unidade impossível”. Aqui a escada é o ponto de união, ou seria ruptura... entre passado e presente. O passado representado pelas velhas casas de madeira (infância) povoadas por fantasmas. De cima da escada é possível avistar o seu fosso. Mas nada nos diz o poeta da vista de baixo para cima. O poeta não vê mais a perspectiva de subir a escada: “hoje em dia todas as escadas são para descer”. Jeniffer Alves Cuty observa: "Talvez a poética do ato de subir tenha se perdido com a idade que só avança, sendo a mobilidade permitida apenas aos personagens que povoam a memória." Resta ainda um enigma: o abismo que separa o poeta e o leitor. Boa procura.

ESCADAS


Escadas de caracol
Sempre
São misteriosas; conturbam...
Quando as desce, a gente
Se desparafusa...
Quando a gente as sobe
Se parafusa
-o peito
estreito –
o teto descendo
Descendo descendo como nas histórias de imortal horror!
Mas de que jeito,
Mas como pode ser.
Morrer cair rolar por uma escada de parafuso?
Além disso não têm, pelo dizem nenhuma acústica...
Oh! Não há como as escadarias daqueles antigos
edifícios públicos
Para ser assassinado...
Porém não fiques tão eufórico,
- nem tudo são rosas:
Há,
No sonho das velhas casas de cômodos onde moras,
Passos que vêm subindo degrau por degrau em
direção ao teu quarto
E “sabes” que é um fantasma chamejante e fosfóreo
- o corpo todo feito de inconsumíveis labaredas verdes!
O melhor
Mesmo
É fechar os olhos
E pensar numa outra coisa...
Pensa, pensa
- o quanto antes!
Naquelas podres escadas de madeira das casas pobres
-escurinho dos teus primeiros aconchegos...
Pensa em cascatas de risos
Escada a baixo
De crianças deixando a escola...
Pensa na escada do poema
Que tu
comigo
vem descendo
agora...
(Hoje em dia todas as escadas são para descer)
Mas não! este poema não é
Nenhum
Abrigo
Antiaéreo...
Ah, tu querias que eu te embalasse?!
Eu estava , apenas, explorando uns abismos...

Mario Quintana in: Apontamentos de História Sobrenatural

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