Os pés do poeta, que caminha por sua Porto Alegre, certamente maquinando novos versos. Os sapatos gastos e a sua bengala, amiga inseparável de seus últimos anos, retratados poeticamente por Liane Neves. Os poemas abaixo, do dono dos sapatos, dizem tudo desses momentos de caminhadas pela sua "Porto Alegre de incríveis subidas e descidas"
Bernardo
SAPATOS, ETC.
Os sapatos, de preferência velhos e informes, com irregulares placas de barro ou apenas foscos, são muito mais belos que os sapatos lustradinhos, brilhantes que nem parquês. Qual o esteta que não sabe dessas coisas? Nem há de ser por outro motivo que os escultores jamais passam a ferro as calças de suas estátuas. Aqui em Porto Alegre só conheço uma delas, com caprichosos vincos de bronze - é o que logo se nota, porque não parece natural. Natural é a natureza. E a natureza é hippie. Onde já se viu uma árvore ridiculamente simétrica? E qual foi a Brasília que jamais teve esse incomparável imprevisto "ao Deus dará" de uma Itaoca? Bem, nunca falta um leitor para indagar que moralidade a tirar disso tudo... Nenhuma! Eu estava falando de beleza.
(Caderno H)
UM PÉ DEPOIS DO OUTRO
Será do tempo? Será do quê? Os meus sapatos rincham, os meus sapatos cantam de alegria. E eu vou andando e aguardando – cá de cima – que o seu oculto motivo chegue afinal até o meu coração.
(Poemas para a infância)
CALÇADO DE VERÃO
Quando o tempo está seco, os sapatos ficam tão contentes que se põem a cantar.
(Poemas para a infância)
ACHADOS E PERDIDOS
Eu conduzo minha poesia como um burro sem rabo
Nesta minha Porto Alegre de incríveis subidas e descidas.
Suo como o Diabo
E desconfio
Que meus melhores poemas terão caído pelo caminho...
Mas como saber quais são?!
Alguém por acaso os pegará do chão
E vai ficar pensando que o espantoso achado
Pertence a ele...unicamente a ele!
(Velório sem defunto)
Um comentário:
Adoro este "Calçado de Verão"!
Fiz uma postagem nova que gostaria que visse. Talvez já conheça, mas de Quintana, a gente nunca cansa...
Bjs.
Estela
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