Em 1996 a poeta, colunista e advogada Patrícia Antoniette, publicou esse belíssimo texto em sua coluna na revista Paradoxo. Texto que vale a pena ler e reler. Uma homenagem tocante ao poeta que representou para a ela a abertura de um novo mundo. O mundo da poesia que Quintana tanto amava.
Nascido prematuro em Alegrete, Rio Grande do Sul, em um gelado 30 de julho de 1906, dizia que tinha algum complexo por ter nascido antes de estar pronto, preocupação esta que se dissipou quando soube que também eram prematuros Churchill e Isaac Newton. Porto-alegrense desde antes da adolescência, foi nessa cidade que realmente viveu e fez poesia e foi aqui onde o conheci, num final de primavera. O poeta estava sentado num banco da Praça da Alfândega – onde, aliás, ele passava quase todas as tardes – e vínhamos eu, com 10 compenetrados anos e meu padrinho, de mãos dadas, caminhando pela sombra dos jacarandás. Ao avistar o poeta, meu dindo me arrastou para dentro da antiga livraria Sulina, bem perto dali, comprou o recém lançado "Lili Inventa o Mundo" e me levou de volta à Praça, onde, segundo ele, eu deveria pedir o autógrafo do poeta que tinha escrito aquele livro.
Lá fui eu, misto de emoção e timidez. Um poeta. Um poeta veja só. Como seria um poeta? De que material seria feito um ser que escreve livros? Seria de carne e osso? Teria voz e movimentos? Assim que me aproximei, ele me deu bom dia. Estendi o livro sem dizer nada, porque não sabia se era permitido falar com um poeta, assim, sem qualquer cerimônia. Lembro de achar estranho que ele parecesse só um velhinho doce e meigo que falava arrastado, tinha pronúncia difícil e sorria com dentes amarelos uma ternura simples e cúmplice. Ele bateu com a mão no banco para que eu sentasse e eu obedeci, claro, adivinhando que este era o ritual. Ele pegou a caneta do bolso e escreveu com uma letra desenovelada: "para minha nova amiga Patrícia, do amigo velho, Mário Quintana". Saí de lá sentindo que alguma coisa muito grave tinha acontecido e eu não sabia bem o quê.
Li, aqueles que eram os primeiros poemas da minha vida, milhares de vezes. Lembro da minha emoção ao explicar para as amiguinhas, para os pais, para quem me ouvisse, a genialidade do tamanco que era um hipopótamo, ou das pulgas que pulavam tanto porque também tinham pulgas, do milagre que é ser poeta e poder dizer coisas como essas. Ousei me experimentar na poesia sob a influência direta da simplicidade genial e desconcertante daquele velhinho que dava olhos novos a quem o lia e só alguns muitos anos mais tarde tive a perfeita noção de quem era aquele monstro querido e frágil, aquele amigo velho ao lado de quem eu havia sentado num final de primavera cercada de jacarandás floridos: um poeta indevorável.
*Patrícia 'Ticcia' Antoniete é colunista da Paradoxo. Advogada gaúcha, assina às quintas-feiras a coluna In-Ventário.
Outra canção
Não me deixem ir tão só,
Tão só, transido de frio...
Eu quero um renque de vozes
Por toda a margem do rio!
Como alguém que adormecendo
E umas vozes escutando,
Nem soubesse que as ouvia,
Nem soubesse que as ouvia
Ou se estava sonhando,
Eu quero um renque de vozes
Por toda a margem do rio:
Vozes de amigo calor
Na lenta e escura descida
Como lanternas de cor
E aonde mais longe eu me for
(Quanto mais longe da vida!)
A borboleta perdida
Da tua voz, pobre amor...
In:Esconderijos do Tempo
3 comentários:
Bernardo, meus cumprimentos ao belíssimo espaço dedicado aos mestres da literátura.
Certamente você faz o melhor desntro deste Blog,
Efigênia Coutinho
Escritora
Quintana era uma pessoa mto especial, não só por ter tanto a oferecer, mas uma sabedoria pura,genuína, mas tão bela como o céu, as estrelas, a própria vida!
Abraços.
Waleria.
Wal.
Realmente sonhar é fundamental na vida de tdo ser humano, pois os sonhos são nada mais nada menos que a necessidade de se manter vivo, e esperar da vida frutos, e através deles renascer...assim acho que pensava Quintana, por isso eterno!
Abraços
Waleria Lima.
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