
Na obra Sapato florido Quintana mistura prosa e verso, não só na forma, mas também no conteúdo. Apresenta uma obra diferente daquela oferecida ao leitor por um livro de poemas. Quintana declara isso no texto abaixo:
SUSTOIsso foi há muito tempo, na infância provinciana do
autor, quando havia serões em família.
Juquinha está lendo em voz alta, A Confederação
Dos Tamoios.
Tarararararara, tarararararara
Tarararararara, tarararararara
Lá pelas tantas, Gabriela deu o estrilo:
- Mas não tem rima!
Sensação. Ninguém parava de não acreditar. Juquinha,
Desamparado, lê às pressas os finais dos últimos versos...
quérulo... branco... tuba... inane...vaga...
Infinitamente...
Meu Deus! Como poderia ser aquilo?!
A rima deve estar no meio – diz, sentencioso, o major
Pitaluga
E todos suspiraram, agradecidos.
Sapato florido, Ed. Globo, 1948, p 116
OS VIRA LUASTodos lhes dão, com uma disfarçada ternura, o nome, tão apropriado de vira-latas. Mas e os vira-luas? Ah! Ninguém se lembra desses outros vagabundos noturnos, que vivem farejando a lua, fuçando a lua, insaciavelmente, para aplacar uma outra fome, uma outra miséria, que não é a do corpo...
VIVERVovô ganhou mais um dia. Sentado na copa, de pijama e chinelas, enrola o primeiro cigarro e espero o gostoso café com leite.
Lili, matinal como um passarinho, também espera o café com leite.
Tal e qual vovô.
Pois só as crianças e os velhos conhecem a volúpia de viver dia a dia, hora a hora, e suas esperas e desejos nunca se estendem além de cinco minutos.
Mario Quintana in: Sapato Florido