CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
DURANTE TODA A SUA VIDA
domingo
De Mario Quintana: O DEUS VIVO
Disse o poeta Armindo Trevisan sobre as idéias religiosas de Quintana:
“O Mario, a rigor, não praticava nenhuma religião, mas tinha sido educado na religião católica. [...]Em conversas particulares com ele percebi que ele poderia ser qualificado de agnóstico, isto é, alguém que declara não saber com certeza se Deus existe. Eu pessoalmente tenho a impressão de que ele acreditava em Deus, a sua maneira.”
Se as ações humanas e os caminhos percorridos pelos homens na Terra têm algo a ver com Deus, certamente o poema O DEUS VIVO não pode ser mais verdadeiro. Deus está no fundo do poço. Caim retrata a intolerância, a ganância, o preconceito, enfim tudo o que é humano, e Deus, desamparado está no inferno... Quintana considera urgente resgatá-lo, mas para isso é preciso resgatar a nós mesmos...humanidade.
Bernardo
O DEUS VIVO
Deus não está no céu. Deus está no fundo do poço
onde o deixaram tombar
- Caim, o que fizeste do teu Deus?!
Suas unhas ensangüentadas arranham em vão as
paredes escorregadias.
Deus está no inferno...
É preciso que lhe emprestemos todas as nossas forças, todo o nosso alento
para trazê-lo ao menos à face da terra.
E sentá-lo depois à nossa mesa
e dar-lhe do pão e do nosso vinho
E não deixar que de novo se perca.
Que de novo se perca...nem que seja no céu!
Mario Quintana in: Apontamentos de História Sobrenatural
terça-feira
O QUARTO DE MÁRIO QUINTANA
Este quarto, de Mario Quintana, sua última morada, nos faz imaginar um personagem solitário e disperso, perdido entre seus versos. Quantos poemas Mario não construiu aqui. Talvez ele volte, de vez em quando,a visitar sua última morada terrena. E quando aqui chega deve dizer aos retratos da parede:
"Tú não imaginas como é bom, como é repousante,
Não ter bagagem nenhuma."
E olhando sua velhas coisas, alí tão conservadas...intáctas, deve dizer baixinho:
"Nem sei mais se me matei,
Se morri por distraido,
Se me atiraram do caís"
[]"Eu sigo todo florido
Cadáver desconhecido,
Vogando, lento à deriva,
Nos rios todos do mundo."
E assim vai o poeta dedilhando seus objetos, sua velha cama
e certamente recordará aquele poema, composto na dificuldade da velhice, na lentidão dos movimentos trêmulos e doloridos:
Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...
que me importa este quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.
Pois só o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousando em mim.
A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...
sexta-feira
Recordações de Mario Quintana
Sala de espera do consultório. Sala de espera? Não: Sala de recordações. Porque as revistas são tão velhas que a gente, sincronizando (perdão) com as datas delas, transporta-se ao que foi naqueles tempos. Ah! Quando o Ministério se demitiu em massa recordo, eu andava doido pela Maria Helena que andava doida pelo Fabião, que andava doido pela Felisbina... Agora todos voltaram ao juízo e estão casados com outras pessoas. Todos, menos eu. Em compensação juro que esqueci completamente a Maria Helena e, quando a encontro me pergunto:
- Senhor Deus dos desgraçados, esta é aquela?!
Mario Quintana in: Porta Giratória
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